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Quem precisa de Bolsonaro?

Direita, Renata Pedrosa

Esquerda, Renata Pedrosa

Comento um pouco a ótima análise de Tâmis Parron e Carla Rodrigues, que abre o número 7.3 de Rosa.

Sim, é incrível: o Brasil parece estar indo melhor do que os Estados Unidos no combate à extrema-direita. Com todos os processos contra ele, Donald Trump, é ainda um forte candidato à presidência, e tem uma base de apoio que Bolsonaro já perdeu.

Dallagnol, Zambelli, Anderson Torres, a família toda, foram punidos ou estão em vias de punição. O mais “americano” de nossos extremistas, Roberto Jefferson, foi rapidamente fulminado depois de tentar imitar John Wayne num El Alamo de produção caseira.

Uma das principais diferenças entre Brasil e Estados Unidos, como sugerem Tâmis e Carla, estaria na maior presença do Judiciário em nosso sistema político: temos um tribunal eleitoral, eles, não. Houve, também, um “alinhamento” da mídia contra o golpismo; os Estados Unidos têm a Fox News, e aqui a Jovem Pan não deu para o gasto — passando a enfrentar problemas na justiça também.

Acrescento mais algumas diferenças. Se o Brasil tem tribunais mais “hard”, fato simbolizado na coragem e na inflexibilidade de Alexandre de Moraes, eu diria que a base de apoio da direita, aqui, é mais “soft” do que nos Estados Unidos.

Parte dos bolsonaristas trata de mais ou menos esquecer seu voto; 19% dos que votaram em Bolsonaro não se importavam em dizer, julho passado, que aprovavam o governo Lula. A volta das políticas sociais lulistas dissolve o encanto pela extrema-direita; do mesmo modo, tudo indica que os absurdos e incompetências flagrantes do ex-capitão só deixaram de pesar mais no seu resultado eleitoral porque ele despejou dinheiro em programas do mesmo tipo no fim de seu governo.

As verbas públicas também amaciam, aqui, o Legislativo e os governos locais. Claro que emendas e benesses também existem nos Estados Unidos. Mas a famosa “polarização” ideológica, que foi tão forte aqui como lá, não se traduz do mesmo modo quando se tem uma multidão de partidos fisiológicos, e prefeituras e governo sem grande autonomia financeira. Conquistado pela extrema-direita, o Partido Republicano dos EUA não tem espaço para negociações pragmáticas. Bendito Centrão! Sustentou o fascismo, mas é fator para impedir sua sobrevivência.

Eu diria também que há uma espécie de “autonomia ideológica” maior nos Estados Unidos do que aqui. O desempregado branco, o trumpista pobre, conta com algum benefício social como algo já garantido, e acessa seu computador à vontade, expondo-se às redes de teoria conspiratória (o famoso Q-Anon) diretamente.

As ideias mais doidas sobre rede de pedófilos escondendo crianças em túneis subterrâneos, ou a recente explicação dos incêndios florestais como produzidos por raios laser a mando de Putin, provavelmente dão a esse pobre coitado americano um senso de identidade. Ainda que, na prática, ele dependa de algum seguro social, ele se considera “independente” e “livre” ao possuir sua arma e condenar as ações ocultas do Estado.

O bolsonarista pobre não está preocupado com Putin; vive, ainda, num mundo um pouco mais mediado — e o curral eleitoral sob comando de um pastor evangélico qualquer pode, com certa facilidade, tornar-se sensível aos afagos do lulismo.

O pequeno empresariado e a classe média, estes sim, serão fascistas por um bom tempo. A questão, para Lula e para a democracia, é como corrompê-los também. A reforma tributária pode ser um bom caminho; comentaristas de direita não conseguiram, na imprensa, achar do que reclamar.

A ideologia de extrema-direita e o golpismo puro podem assim perder força no Brasil, o que não parece provável nos Estados Unidos.

Já quanto à prática da extrema-direita, essa convive entre nós como sempre, com democracia sólida ou nem tanto. A polícia continuará executando negros, a tortura não será extinta pelos milicianos, o agronegócio não deixará de prosperar, matadores de aluguel vão encontrar suas Marielles, suas Marias Bernadetes, seus Brunos Pereiras. Quem precisa de Bolsonaro, numa realidade dessas?