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Pisar suavemente sobre a Terra:
Novos caminhos para a pesquisa e a prática ambiental na América Latina

Apresentação

Espiral 1 (2022), Renata Haar

O presente dossiê reúne quatro ensaios que demonstram como um número de estudos recentes, junto com práticas de arte e design, estão reconfigurando o campo emergente das humanidades ambientais latino-americanas — uma disciplina em rápida consolidação que nutre métodos e perspectivas derivados das ciências sociais, das artes e das humanidades, das ciências naturais e do pensamento indígena — com o fim de interrogar criticamente as histórias ambientais e enfrentar os desafios contemporâneos. Os ensaios reunidos neste dossiê mapeiam uma renovação crítica dos estudos culturais que vem adquirindo lugar por meio de publicações teórico-analíticas recentes, trabalhos etnográficos, práticas artísticas e colaborações de arte e design em territórios específicos. Traçamos rotas por meio de um corpus diverso de estudos ambientais emergentes, pesquisa de práticas artísticas situadas e atividades de participação pública, para destacar como respondem ao desafio urgente de “pense na presença dos atos de destruição atuais” (Stengers, 2013, p. 186). As pesquisas acadêmicas, as obras de arte e os projetos de trabalho de campo colaborativo aqui resenhados problematizam a dicotomia cultura/natureza como constitutiva das atuais crises ecológica e climática, reconsideram as premissas ontológica e semiótica da metafísica ocidental e semeiam experimentos simpoiéticos e formas alternativas de conhecimento que transcendem as divisões disciplinares. Estes artigos exploram também a dinâmica da prática acadêmica/recreacional na América Latina e demonstram que este exercício crítico vai além do exclusivamente acadêmico para trabalhar, deste modo, em e com mundos ecossociais que confrontam desafios pressionadores desde as lógicas extrativistas, as injustiças socioambientais, a marginalização de grupos vulneráveis e a instabilidade climática. O presente dossiê, portanto, tem a intenção de mostrar como as explorações que cruzam fronteiras estão contribuindo para estimular os debates acadêmicos em torno do vivido no Antropoceno, de modo que se avance para “ecologias do saber” (Santos, 2008, p. 186) enquanto abordam e, em alguns casos, intervêm diretamente, em lugares específicos e em seus sentidos. Reunidos pelo título de “Pisar suavemente sobre a Terra”, este conjunto de estudos traça novas análises que ajudam a abordar os ecossistemas físicos e os corpos existentes e emergentes de produção cultural na literatura e na arte, demonstrando como os pesquisadores da e na América Latina retomam debates interdisciplinares, longas histórias ambientais e saberes ancestrais para explorar as dinâmicas de extrativismo, a decadência dos ecossistemas, os enredos humanos/não-humanos e as transformações potenciais nas formas de ser e atuar em um mundo cada vez mais frágil. Como reflexo do interesse acadêmico recente em torno das discussões sobre o império cognitivo e o epistemicídio (Santos, 2014), das práticas de viver bem (Gudynas, 2011), do design de mundos pluriversais (Escobar, 2018) e das epistemologias indígenas (de la Cadena, 2015; Rivera Cusicanqui, 2015; Viveiros de Castro, 1998), cada artigo do presente dossiê reflete em torno da forma na qual os debates críticos vinculados a estas reflexões, tanto nas ciências sociais quanto no pensamento indígena e na relação com os modos de estar no território, começaram a influenciar as discussões acadêmicas mais recentes. Sustentamos que essas novas mudanças estão impulsionando o campo dos estudos culturais a novas áreas de pesquisas, ampliando a riqueza existente do pensamento ambiental latino-americano que é evidente histórica e atualmente nas ontologias ameríndias, nas imaginações telúricas popular-nacionais e nas práticas culturais afrolatinas sincréticas, entre outras, as quais têm, em alguns casos, genealogias que remontam ao passado pré-colombiano (French e Heffes, 2021, p. 3). Parte dessa erudição crítica e inovadora inclui, como demonstram os artigos de Ponce de León e Pinheiro Dias neste dossiê, o giro vegetal, o surgimento dos estudos críticos de plantas, o pensamento ambiental e as epistemologias indígenas. No entanto, como destaca Pinheiro Dias, não há novidade alguma no pensamento ambiental que não fosse já proveniente de práticas indígenas, pois a noção de “giro”, de fato, corre o risco de obstruir a persistência da imbricação entre ontologias humanas e não-humanas, em interações não-lineares e não-teleológicas (ou seja, não-ocidentais).

Partindo de uma revisão de estudos teóricos recentes, da produção cultural, do trabalho semiótico focado em parentes não-humanos e novas complicações, “Pisar suavemente sobre a Terra” formula um imperativo instigante: que texturas específicas do Antropoceno (e suas variadas nomenclaturas de Capitaloceno, Plantationceno, Necroceno, Chthuluceno, etc.) se manifestam em ambientes latino-americanos? A urgência de fazer tal pergunta se manifestou pelo surgimento de numerosos esforços colaborativos que efetivamente estiveram cultivando o campo das humanidades latino-americanas. Tais esforços abarcam a crescente quantidade de volumes e números coeditados para revistas acadêmicas, assim como a criação de novas plataformas digitais, redes de pesquisa cujo foco é conectar e compartilhar ideias e trabalhos sobre literatura, arte e cultura ambiental. Essa mudança de práticas individuais para esforços coletivos, junto com a crescente abertura na academia para a pesquisa inter/transdisciplinária começou a estimular, com êxito indiscutível e ampla recepção, o surgimento de vozes que interrogam e desenterram as premissas subjacentes da crise atual. Para além disso, dialogamos com o dito por Noah Theriault e Simi Kang (2021, p. 6), em sua definição de um tipo de trabalho colaborativo que “descentra a autoridade dos pesquisadores acadêmicos e posiciona a pesquisa como uma forma de ação coletiva dirigida pela comunidade”.1 Essa mudança em direção ao trabalho colaborativo também questiona — tácita ou abertamente — lógicas e simbologias subjacentes da competência individualista junto à exploração territorial inerente a um enquadramento da pesquisa baseado em “inovar”, propondo em seu lugar um “pensar-com-muitos” colaborativo (Puig de la Bellacasa, 2021, p. 200).

Práticas acadêmicas e criativas

As devastações ambientais contemporâneas na América Latina são moldadas por histórias de apropriação e extração de recursos trans-hemisféricos, transnacionais e transregionais que foram acelerados a partir do colonialismo e do capitalismo global. Como demonstra Heffes na introdução de seu artigo, a ampla e rica produção recente no campo das pesquisas ambientais latino-americanas fomentou uma constelação de estudos que amplia e reconfigura a forma do campo a partir das abordagens originais durante as primeiras ondas de ecocrítica até o presente, criando novas categorias de explorações críticas e epistemológicas e marcando um ponto de virada em torno daquilo que fora publicado até o momento. Alguns exemplos, ainda que não exaustivos, são dos trabalhos de Gagliano, Ryan e Vieira (2017) e Wylie (2020) sobre a linguagem intrínseca e o antropomorfismo das plantas, respectivamente. Surgiram também novas direções no estudo da paisagem frente ao extrativismo, as visões andinas e a noção de arquivo cujos focos são liderados pelos trabalhos de Andermann, Blackmore e Carrillo Morell (2018), assim como de Briceño e Coronado (2019). Outras perspectivas introduzem novas leituras a partir da lente da ecologia do pós-humanismo (Bollington e Merchant, 2020; Fornoff e Heffes, 2021), da construção de Estados-nação (Martínez-Pinzón, 2016), da reavaliação de tropos antigos, como o cânone latino-americano (Frenche e Heffes, 2021), o boom da borracha e/ou a busca pelo El Dorado (Smith, 2021; Rogers, 2019), da ciência descolonizada em projetos artísticos/cênicos recentes (Page, 2021), da mimese e do desenvolvimentismo (Saramago, 2021), bem como da violência lenta (Kressner, Mutis e Pettinaroli, 2020), só para citar alguns. Também surgiram novas iniciativas transversais que seguem os caminhos do novo materialismo, da crítica indígena e pós-colonial, dos estudos animais e da ecologia queer. Estes trabalhos recentes, que às vezes se correlacionam com o surgimento de novas vozes no campo dos estudos latino-americanos, abordam problemáticas fundamentais que abarcam desde questões de representações estéticas, temporalidades e espacialidades, até ativismo, indigeneidade, monocultura, toxicidade e resistência cultural e política. Outras perguntas abordam a relevância do uso de “humanidades ambientais” no contexto latino-americano — contrastando, por exemplo, com o uso mais frequente do termo “ecologia política”, cujo enfoque derivado das ciências sociais desencadeou publicações seminais, como os escritos de Eduardo Gudynas, Marisol de la Cadena, Arturo Escobar, Eduardo Viveiros de Castro e Deborah Danowski, Silvia Rivera Cusicanqui, Eduardo Kohn e Boaventura de Sousa Santos, para citar os mais representativos. Seguindo tal distinção na terminologia, cabe formular se o uso do termo “humanidades ambientais” revela um paradigma analítico diferente. Uma tarefa importante para os estudiosos latino-americanos é investigar outras tradições de pensamento ambiental que prevalecem na região e interrogar como definimos as ecologias do Sul Global e como as mesmas diferem das do Norte Global. Nesse sentido, é essencial manter conversas equitativas e produtivas dentro do campo das humanidades ambientais, levando em conta a permanência de redes (pós-)coloniais de conhecimento e poder. Em maior ou menor grau, essas publicações recentes, que marcam uma segunda (ou até mesmo uma terceira) onda de esforços ecocríticos, buscam identificar os problemas mais urgentes na América Latina desde uma perspectiva política, cultural e estética, enquanto exploram as possíveis contribuições ao projeto mais amplo de imaginar ecossistemas que sejam, por sua vez, alternativos e resilientes, generativos e férteis.

Além de avaliar formatos acadêmicos convencionais, como monografias e livros coeditados, este dossiê aborda as contribuições das práticas artísticas e do design ao pensamento ambiental, tanto nos âmbitos acadêmicos quanto também nos espaços e práticas informais e sem filiação institucional específica. Assim, os produtores culturais latino-americanos também transformaram a práxis e a indagação do pensamento ambiental através do que a escritora Cristina Rivera Garza definiu, em The Restless Dead (2020), como “desapropriação” e “comunalidade”: enquanto a desapropriação se refere a uma técnica de agenciamentos resistentes à autoria contemporânea (uma reificação da noção de gênio criativo), a comunalidade consiste em uma derivação ética da anterior, expondo o trabalho coletivo subjacente a toda escritura. Um exemplo recente é La compañía, da artista visual e escritora mexicana Verónica Gerber Bicecci, livro que reescreve o conto de Amparo Dávila, “El huésped”, através de um trabalho de montagem e sobreposição que serve de matriz para contar uma história de extração e desapropriação, constituindo um projeto que se compromete com a arte visual e o material etnográfico e arquivístico, para produzir uma narrativa polifônica. O surgimento dessas modalidades inovadoras, destinadas a descentralizar, reconfigurar e reavaliar hierarquias fixas, revela as novas intenções que buscam questionar os limites que permanecem assinalando um papel particular aos indivíduos entre si, mas também dentro de mundos não-humanos.

Os artigos de Blackmore e Pinheiro Dias abordam as práticas artísticas como modos de pesquisa em si mesmos e examinam as formas generativas nas quais os projetos curatoriais e transdisciplinários produzem resultados tanto acadêmicos quanto atividades de participação pública. A última década tem atestado uma crescente aceitação do valor investigativo da prática criativa e sua integração com os marcos acadêmicos formais. Agora, há uma nomenclatura sistemática para que se refira às formas nas quais a pesquisa vem desde a prática (practice-led research) e a prática que parte da pesquisa (research-led practice) que “podem dar como resultado ideias de pesquisa, como as que surgem pela feitura de um trabalho criativo e/ou na documentação e teorização deste trabalho” (Smith e Dean, 2009, p. 1–2). Na academia latino-americana, alguns periódicos revisados ​​por pares (como Cuadernos de Música, Artes Visuais y Escénicas, criado em 2004), difundem trabalhos de pesquisa-criação e pesquisa artística, dentro dos cursos de educação superior (como o oferecido na Universidade Nacional do Três de Fevereiro, em Humanidades Ambientais, no cruzamento entre a Arte e a Tecnologia) que têm endossado o sentido transdiciplinário desse campo emergente. Além disso, ao abordar a pesquisa prática, o trabalho curatorial e as atividades de participação pública, este dossiê se alinha com o reconhecimento mais amplo do valor da pesquisa-criação e o impacto social de tal trabalho, exemplificado pela decisão recente dos editores da revista líder no campo, Environmental Humanities, de incentivar a publicação de trabalhos de prática (Jørgensen, 2022).

O surgimento simultâneo de uma modalidade ambiental renovada na prática artística e os crescentes enfoques ecocríticos, tanto na pesquisa acadêmica quanto na curatorial na América Latina, corrobora, por sua vez, na relevância das práticas criativas nos meios acadêmicos e nos imaginários públicos. A solidariedade e compromisso dos artistas com o ativismo ambiental — desde obras de protesto de Francisco Toledo contra o milho transgênico no México, até as colaborações no curso de Carolina Caycedo com líderes ambientalistas nas Américas, entre uma miríade de exemplos — demonstram os vínculos muitas vezes diretos entre arte e ecologia política, os quais ocupam de forma crescente a atenção acadêmica (ver, por exemplo, Merlinsky e Serafini, 2020). A temática ecológica em bienais importantes de arte, como Incerteza viva (São Paulo, 2016), a Bienal do Bioceno: trocar o verde pelo azul (Equador, 2022) e Inaudito Magdalena (Salón Nacional de Artistas de Colombia, 2022), assim como trabalho em andamento de projetos artísticos territoriais, como Bienal Saco (Chile), demonstram como as artes desempenham um papel central na promoção de perspectivas críticas sobre a degradação ecológica e na criação de plataformas públicas que nos permitem imaginar mundos ecossociais mais justos e sustentáveis. Disso se deduz que os estudos culturais e as pesquisas na história da arte recorreram às práticas artísticas para examinar como essas contribuem com temas-chave no pensamento ambiental da região, como demonstram os estudos recentes centrados nas relações humanas/não-humanas (Lozano, 2016), em tradições paisagísticas, práticas e representações (Uribe, 2016; Depetris Chauvin e Urzúa Opazo, 2019), no ecofeminismo (Moñivas, 2020), no pensamento arquipelágico (Flores e Stephens, 2017), nas ecologias líquidas (Blackmore e Gomez, 2020) e na descolonização da ciência (Page, 2021), para nomearmos alguns. Assim como as obras de arte ambientais contemporâneas interagem com tradições pictóricas, de performance e de land art precedentes, os projetos especificamente situacionados fazem parte também de uma linhagem de projetos em constante evolução (como as expedições itinerantes e as arquiteturas improvisadas que inauguraram a Ciudad Abierta no Chile em 1970, até o trabalho mais recente, focado no meio ambiente de Más Arte Menos Acción, na Colômbia, para mencionarmos duas das iniciativas) que intervêm de maneira criativa e crítica nos emaranhados geopolíticos e relacionais do território em uma diversidade de escalas. Portanto, ao abordar projetos de arte e design situados em territórios específicos, o dossiê formula uma interrogação em torno de como a intersecção da prática criativa, da erudição transdiciplinária e da colaboração comunitária promovem modos de “pensar com cuidado” (Puig de la Bellacasa, 2012) em entornos complexos, contribuindo tangivelmente à vida que lá existe. Em suma, ao enfatizar as contiguidades da produção cultural e do trabalho acadêmico, o dossiê busca dissolver a hierarquia tradicional que separa a primeira como matéria-prima para a segunda, posicionando a prática, em vez disso, como pesquisa por direito próprio e como um modo de trabalho comprometido com o mundo ecossocial.

Novas direções

Em um sentido amplo, os quatro artigos aqui reunidos abordam a reconfiguração de novos conceitos na intersecção das produções acadêmicas, culturais e estéticas, bem como de estruturas e perspectivas que ordenaram, classificaram e sistematizaram o estudo da cultura latino-americana e caribenha. Em “Estratos submersos e a condição do conhecimento na América Latina”, Gisela Heffes mapeia o crescente número de trabalhos acadêmicos focados nas humanidades ambientais, levando em conta que o campo dos estudos culturais latino-americanos e caribenhos têm testemunhado um rápido crescimento e desenvolvimento de crítica ambiental, juntamente com o surgimento de um importante corpo de trabalho que catalisou novas e importantes práticas e enfoques. Heffes revisita duas contribuições significativas em relação aos debates em curso que definem as direções teóricas e críticas dos estudos culturais latino-americanos e caribenhos: Things with a History: Transcultural Materialism and the Literatures of Extraction in Contemporary Latin America, de Héctor Hoyos, e Allegories of the Anthropocene, de Elizabeth DeLoughrey, ambos publicados em 2019. Os dois trabalhos tentam questionar o binômio natureza/cultura — junto com outras dicotomias modernas — a partir de posições e ângulos divergentes: enquanto Hoyos propõe a desalegorização (ou seja, uma “literalização”) de algumas obras latino-americanas fundamentais, DeLoughrey, por sua vez, convida-nos a reconsiderar a alegoria como forma de simbolizar a "disjunção percebida entre os humanos e o planeta, entre a nossa 'espécie' e uma 'natureza' externa dinâmica" (p. 4). Segundo Heffes, esses estudos mudam o rumo epistemológico do campo, formando novas áreas de estudo e/ou reformulando e reconfigurando as anteriores. Se Things with a History reorienta o rumo do trabalho realizado por estudiosos latino-americanos cujo foco é a literatura mundial, ele também amplia o escopo das humanidades ambientais no campo mais extenso dos estudos latino-americanos, ao propor uma nova jornada epistemológica em relação à nossa compreensão da narrativa, do ato de contar e das palavras, mudança que nos permite revisitar, como o faz, obras culturais latino-americanas canônicas e menos reconhecidas. Allegories of the Anthropocene, por sua vez, amplia o campo dos estudos pós-coloniais sobre o Antropoceno, que já havia sido expandido pela própria DeLoughrey em trabalhos críticos e colaborativos anteriores. Tomados em conjunto, ambos dialogam com o surgimento de algumas publicações acadêmicas recentes que analisam intimamente um número significativo de obras literárias e artísticas para propor uma investigação crítica focada em desestruturar o ser humano e, portanto, descentralizar o Anthropos.

Em “América-Latina e o giro botânico nos estudos culturais”, Alejandro Ponce de León argumenta que, ao estudar as plantas, “os praticantes do giro botânico estão ampliando as lentes analíticas das humanidades, de modo que novas sensibilidades e práticas de cuidado para formas de vida mais que humanas possam ser imaginada”. A partir de sua análise de The Language of Plants: Science, Philosophy, Literature (2017), de Monica Gagliano, John Ryan e Patrícia Vieira, Plant Kin: A Multispecies Ethnography in Indigenous Brazil (2019), de Theresa Miller, e o livro de Lesley Wylie, The Poetics of Plants in Spanish American Literature (2020), Ponce de León mapeia as provocações teóricas e os desafios metodológicos relacionados ao recente aumento de interesse nos estudos de plantas na produção crítica latino-americana. Argumenta que as plataformas acadêmicas que cruzam as ciências naturais e sociais com as humanidades constituem um terreno particularmente generativo para imaginar políticas e éticas multiespecíficas para o Antropoceno. O cultivo dessas imaginações botânicas, porém, levanta questões sobre a necessidade de métodos de pesquisa que vão além das convenções da metafísica ocidental, sintonizando-se com a inteligência e a expressividade das plantas além de suas codificações convencionais, nas taxonomias científicas e nas artes decorativas, para ver, sentir, conhecer e se reconectar com as forças botânicas e promover mundos habitáveis. Explorar a etnografia sensorial da relacionalidade indígena no mundo das plantas, através do livro de Miller e das análises ecocríticas do cânone literário latino-americano na obra de Wylie, oferece algumas pistas sobre rotas epistemológicas e métodos de pesquisa que escapam às lógicas ocularcêntricas e à objetividade científica, favorecendo uma forma de pensar e sentir de outra maneira com o mundo vegetal. Além dos estudos de plantas per se, Ponce de León argumenta que essas aberturas metodológicas são valiosas para estudiosos de diversas disciplinas, tanto dentro quanto fora dos estudos culturais.

Jamille Pinheiro Dias, em “Pensamento ambiental e artes indígenas no Brasil atual”, rastreia os impactos do trabalho dos intelectuais brasileiros Davi Kopenawa Yanomami e Ailton Krenak nos debates acadêmicos mais recentes e o papel generativo da prática artística na impugnação da mercantilização da vida. Partindo de uma releitura dos capítulos que integram Vozes vegetais: diversidade resistência e histórias da floresta (2021) de Stelio Marras, Joana Cabral de Oliveira, Marta Amoroso et al., assim como A vida não é útil, de Ailton Krenak (2020), Pinheiro Dias explora as intersecções entre pensamento ambiental, etnografia e poesia, demonstrando a influência do pensamento indígena em estudos recentes que desafiam os paradigmas extrativistas e a hierarquização das formas de vida. Propõe que a arte indígena contribui em valiosos enfoques críticos, através de uma poética de resistência, como os debates ambientais no Brasil contemporâneo, que são de relevância para a região. Sua análise da poderosa reivindicação de Glicéria Tupinambá e da prática de fabricação dos mantos tupinambá revela como a criação artística se conecta com as terras ancestrais habitadas e os costumes do povo tupinambá de Serra do Padeiro, localizada no território indígena tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. O artigo se encerra com a análise das obras provocativas de Denilson Baniwa, um artista indígena amazonense de Mariuá, no Rio Negro, cuja prática se relaciona criticamente com a história dos museus e do colecionismo como parte de um aparato colonial que ossifica os mundos não modernos. Sua revisão do pensamento e da prática artística indígenas, junto com Vozes vegetais e A vida não é útil destaca o trabalho importante de recuperação que se realiza em esferas múltiplas para montar uma vigorosa resistência à monocultura do pensamento ocidente, que reduz a “natureza” a um recurso, demonstrando como as abordagens indígenas da relacionalidade interespécie provocam reflexões em torno de como a hierarquização das formas de vida constitui uma história de violência epistêmica que se encontra implicada no amplo espectro da monocultura capitalista, assim como no da colonialidade inerente à história dos museus. Como demonstra a conclusão, essas formas indígenas de produzir arte não dão lugar à “ressurreição” de um “passado autêntico” contra a colonialidade, mas a modos de desmercantilização do nexo em si entre o tempo e a criatividade, experimentos de reativação estética que não são exclusivos do presente, nem do humano — e nos quais o humano ainda possa alimentar a terra, para que as artes ancestrais e futuras possam germinar.

Em seu artigo “A pesquisa artística e a participação pública como estratégias para a resiliência territorial”, Lisa Blackmore analisa HAWAPI, Ensayos e Enlacearq, três projetos transnacionais de uma década na América Latina que se cruzam com o trabalho específico do local (site-specific), a pesquisa acadêmica, a prática criativa e a colaboração transdisciplinar/comunitária. O artigo examina como as materializações de plataformas como exposições, eventos e publicações, contribuem para debates regionais e globais sobre os desafios ambientais — desde a conservação de áreas pantanosas até rios urbanos e materiais de construção sustentáveis ​​–, avaliando até que ponto esses projetos traçam cartografias críticas de conflitos socioambientais nas dinâmicas situadas e nas desigualdades estruturais de diversos tipos de “zonas extrativistas”, que são foco de crescente interesse acadêmico no campo das humanidades ambientais (Gómez-Barris, 2017). Blackmore analisa as abordagens dos três grupos nas dinâmicas relacionais com comunidades e locais específicos, através de residências temporárias e colaborações de longo prazo que trabalham em direção a soluções sustentáveis ​​e autônomas diante dos desafios socioambientais. A análise das práticas de campo de HAWAPI demonstra o diálogo crítico com as tradições de exploração territorial enquanto navega nos formatos extrativos de expedições e turismo em massa, e suas codificações estéticas relacionadas. A revisão da colaboração de EnlaceArq com o bairro La Palomera em Caracas, com quem a arquiteta e acadêmica Elisa Silva iniciou um projeto para celebrar a história da comunidade e resolver um problema de coleta de lixo, criando novos espaços comunitários, avalia como o trabalho acadêmico e cultural comprometido incentiva a proteção dos direitos bioculturais, através da “prática crítica do design” que Arturo Escobar (2018) teoriza como uma reorientação do design para revitalizar a vida comunitária e mitigar as fraturas sociais e territoriais do desenvolvimento. Ao avaliar a colaboração de longo prazo entre a fundadora de Encayos, Camila Marambio, com os líderes do povo indígena Selk'nam em Tierra del Fuego, Blackmore considera como as estratégias curatoriais unem territórios locais e plataformas culturais globais para aumentar a conscientização dos direitos bioculturais, entrelaçados a comunidades indígenas e ambientes pantanosos. Por fim, argumenta que a pesquisa prática estimula ações comprometidas com o “pensar com cuidado” (Puig de la Bellacasa) que criam espaços dinâmicos de negação.

Passos futuros: pisar suavemente na Terra

Respondendo às incertezas profundas da pandemia de covid-19 e pensando na sua relação com as causas estruturais de longa data da degradação ambiental e da aceleração moderna, Ailton Krenak advoga por um modo de “pisar suavemente na terra” para contar, como argumenta Pinheiro Dias em seu artigo, a ambição e o excepcionalismo humano dos “devoradores de terra” ou “gente de mercadoria”, os termos propostos pelo ativista yanomami Davi Kopenawa para nomear a ambição antropocêntrica que reduz as plantas, os minerais e os modos de vida entre espécies a meros recursos. As novas direções na pesquisa e na prática ambiental, examinadas e revistas aqui, constituem um convite para reflexão em torno das implicações e da natureza dos compromissos humanos/não-humanos na vida diária, assim como nas metodologias de pesquisa. A reflexão profunda em torno dos emaranhados ambientais históricos que influem na crítica cultural, a atenção sensata à vida das plantas e dos ecossistemas e o compromisso de fazer um trabalho criativo com o território assinalam como estes rumos novos e a caminho de consolidação propõe avançar com delicadeza e tato, partindo da ética e do cuidado como valores que moldam as tramas relacionais de nossas vidas situadas e planetárias, para revogar a vontade utilitarista de controlar a vida. A marca duradoura que os estudos ambientalistas e as práticas criativas podem deixar nas comunidades, acadêmicas e além, será uma pergunta para pesquisas futuras, em meio às injustiças socioambientais vigentes que dão forma ao mundo contemporâneo e à urgência de enfrentá-las. Nesse sentido, os esforços de e para a América Latina são contribuições únicas, distintas e cruciais ao, cada vez mais, importante campo das humanidades ambientais. Dadas suas metodologias inovadoras, catalisam intervenções estéticas críticas como práticas que terão um impacto duradouro no alcance geral dos estudos ambientais, ao mesmo tempo em que afastam tradições ossificadas e mudam paradigmas epistemológicos para esferas sem precedentes.