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Uberização: trabalho precário e formas de resistência

Introdução

Vinícius Ribeiro

A emergência e a disseminação de plataformas digitais em diversas esferas de nossas vidas nos últimos anos produziram uma espécie de tecnoeuforia na sociedade. À primeira vista, poderia parecer bom para todo mundo. Uma tecnologia que conecta consumidores e trabalhadores, oferecendo um serviço mais conveniente para os primeiros e vantagens também para os segundos. Em vez de ter que procurar um táxi vago na rua, basta indicar a necessidade em um aplicativo e o motorista vem até você. Em vez de ter que entrar em uma fila de um ponto de táxi, basta ao motorista esperar as corridas chegarem por notificações no celular. Vantagens semelhantes poderiam ser listadas em relação aos demais tipos de uberização do trabalho e do consumo.

A essa altura, no entanto, já estamos escaldados de que nada é o que parece na opacidade ideológica do capitalismo de plataforma. Por trás da modernidade reluzente dos apps, o que existe é mais precarização das relações de trabalho, em inúmeras dimensões: jornadas de trabalho sem limites, renda baixa e incerta, acidentes constantes, gerenciamento algorítmico indecifrável que é usado para dividir e controlar a classe trabalhadora. Não se trata, é claro, de querer girar para trás os ponteiros do relógio: não há nada mais distante da perspectiva deste dossiê do que considerar o mundo dos motoboys terceirizados e dos alvarás de táxi concentrados nas mãos de grandes empresários como um paraíso perdido. A luta por uma sociedade emancipada não se opõe aos avanços tecnológicos, mas cobra deles suas promessas não cumpridas.

O objetivo deste dossiê é trazer para as leitoras e os leitores da Rosa o debate sobre a uberização em sentido amplo, estimulando a discussão sobre essa fronteira da exploração do trabalho e das formas de resistência da classe trabalhadora. Para tanto, contamos com quatro artigos, escritos por pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que têm estudado o assunto a partir de ângulos que se complementam. Contamos também com a tradução de um artigo de Veena Dubal, professora da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e militante na luta por direitos para os trabalhadores uberizados. Por fim, mas não menos importante, publicamos duas entrevistas com lideranças de movimentos organizados de entregadores: Gil, do Sindimoto-SP, e Galo, dos Entregadores Antifascistas.

Em “O futuro do trabalho é aqui: uberização, autogerenciamento subordinado e modos de vida periféricos”, Ludmila Abílio discute a literatura crítica recente sobre o assunto, enfatizando dois impactos principais da uberização: a intensificação do trabalho pelos novos tipos de controle, de um lado, e o rebaixamento do valor da força de trabalho que estimula o autogerenciamento dos modos de vida periféricos, de outro. Os dois artigos seguintes tratam das formas de regulação do trabalho uberizado. Em “Desvelar para proteger”, Renan Bernardi Kalil apresenta as disputas recentes sobre a caracterização jurídica do trabalho por aplicativos, mapeando esforços de diferentes países para dar conta dessa nova forma de exploração, enfatizando especialmente os casos da Espanha, dos Estados Unidos, da Itália e do Reino Unido, além de apontar caminhos para o caso brasileiro. Já em “Proposition 22 como nova regra salarial racial”, Veena Dubal analisa o significado da vitória das empresas-plataforma em uma batalha recente: investindo somas astronômicas, Uber, Lyft e outras empresas do setor conseguiram aprovar, em uma votação que ocorreu em conjunto com as eleições dos Estados Unidos do ano passado, uma série de regras que precariza o trabalho por aplicativos e tende, na visão da autora, a enraizar hierarquias racializadas no mercado de trabalho do país.

Já em “Gerenciamento, consumo e (des)valor do trabalho por aplicativos: implicações à saúde de entregadores”, Letícia Masson e Cirlene Christo argumentam que o gerenciamento distante viabilizado pelos algoritmos permite que as empresas deem as costas para a questão da saúde no trabalho, acentuando os riscos físicos e psicossociais associados a esse tipo de trabalho. Em “Cooperativismo de plataforma como alternativa à plataformização do trabalho”, por sua vez, Rafael Grohmann mapeia os desafios para o cooperativismo de plataforma se consolidar como uma resistência à uberização, afirmando que o trabalho por plataformas é “um laboratório da luta de classes”. As duas entrevistas, por fim, fecham o dossiê com uma enorme contribuição, não apenas aprofundando o diagnóstico acerca dos problemas cotidianos enfrentados pelos trabalhadores uberizados, mas também apontando para as dificuldades de organizar tais trabalhadores com o objetivo de melhorar suas condições de trabalho e garantir-lhes direitos.

Boa leitura!