4

Como remover Bolsonaro rapidamente e evitar um impeachment paraguaio

Betume 2, Eduardo Climachauska

Jair Bolsonaro chega à presidência como o terceiro outsider que a direita brasileira levou ao cargo em sessenta anos. A direita chegou ao poder pela via eleitoral três vezes nesse período: com Jânio Quadros, com Fernando Collor e com Bolsonaro. Os dois primeiros eram outsiders do sistema político, isto é, seus partidos não compunham uma base eleitoral conservadora com forte expressão no Congresso. O sucesso de suas eleições derivou de relações com parcelas expressivas do eleitorado, formadas em torno de questões como o combate à corrupção. Jair Bolsonaro parece ser a continuação dessa tendência, mas com novidades muito relevantes que dão fôlego ao bolsonarismo depois de dois anos de governo com forte oposição no Congresso Nacional, no poder Judiciário e em partes da opinião pública. São elas: a preocupação zero com a governabilidade, expressa na nomeação de cargos para o seu ministério e na forma como ele enfrentou a pandemia do novo coronavírus; a relação de oposição e cooptação com o sistema político que faz com que a oposição a ele no Legislativo não se manifeste como instabilidade política; e a ampla base ratificadora de suas posições nas redes sociais que lhe permite relativizar a oposição midiática por ele enfrentada. Por fim, o ataque aberto à democracia e a ameaça de ser o patrocinador de um golpe de Estado fazem parte da estratégia política do bolsonarismo.

Entre as características do governo Bolsonaro encontramos a forte presença de militares pensados inicialmente como uma mistura entre a ameaça da coerção e a invenção de uma suposta tecnoburocracia desvinculada do sistema político. Bolsonaro nomeou mais de 5 mil militares para cargos de primeiro e segundo escalão e chegou a ter militares em todos os quatro ministérios da casa. Com a nomeação de Ciro Nogueira, passaram a ser três. Desde o início da crise do governo Bolsonaro na pandemia, durante os meses de março e abril de 2020, o presidente passou a adotar a estratégia de falar de golpe ou intervenção militar. Foi nessa situação que emergiram dois generais cuja atuação apontou a possibilidade de um desfecho cesarista para a crise do bolsonarismo: Walter Braga Netto, na Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo. O presidente prevaleceu ao demitir ministros importantes como Luis Henrique Mandetta e Sergio Moro apostando em uma militarização do seu governo. Ainda assim, ficou claro no final do primeiro semestre do ano passado que Jair Bolsonaro não tem carta branca dos militares. Ao que parece, mesmo depois da demissão de Fernando Azevedo nos primeiros dias de abril deste ano, não interessa à cúpula militar entrar no olho do furacão por um ex-militar que representa mal a corporação, seja por causa de suas ações irresponsáveis, seja pela maneira como opera guerras ideológicas que os próprios militares consideram ultrapassadas. Mas o afastamento relativo da cúpula militar do governo não significa, necessariamente, que a hipótese de uma ruptura com o apoio de setores marginais do aparato de coerção esteja afastada.

A grande novidade do segundo semestre desse ano é um colapso mais profundo da aliança militar-liberal (um termo surreal que descreve o atual governo em decomposição acelerada). Ela coloca Bolsonaro do lado daqueles que querem avalizar um programa de ameaças à democracia, que inclui as corporações de segurança, além de parte da baixa oficialidade das Forças Armadas e alguns setores sociais como caminhoneiros, por exemplo. Todos os grupos da área de segurança foram beneficiados com fortes aumentos reais de salário desde 2016, e alguns desses aumentos foram exponenciados depois de 2019, como foi o caso da Polícia Militar e dos bombeiros do Distrito Federal no ano passado, com impacto em diversas outras Polícias Militares dos estados. Ainda assim, tudo indica que as benesses financeiras não foram suficientes para cooptar setores que necessitam da existência de um Estado estruturado capaz de realizar políticas públicas para alcançarem os objetivos da carreira. Até mesmo entre as Forças Armadas foi possível ver, no patético desfile de setores da marinha em frente ao Palácio do Planalto em 10 de agosto, um nível inédito de degradação dos equipamentos. Isso sugere que uma política de benesses corporativas tem o seu limite na degradação estatal, mesmo entre esses setores. Assim, resta a Bolsonaro apelar ou tentar mobilizar alguns setores rebeldes das Forças Armadas e das Polícias Militares, aqueles que topam apostar na quebra da hierarquia e no caos.

As manifestações do dia 7 de setembro ocorreram em um ambiente de dupla deterioração do governo Bolsonaro: que envolve sua incapacidade de gerar um programa palatável para as elites, em especial as econômicas, e de outro, sua tendência a tensionar setores capazes de limitar suas ações. Jair Bolsonaro possui uma concepção do antigo regime de instituições políticas, pré-revolução Francesa, quando ele afirma “eu sou a Constituição” ou quando ele fala em “meu exército”. Nessa concepção, a democracia, ou o exercício da política pelo governante, está hierarquicamente acima da estrutura de divisão de poderes. Bolsonaro entende a política assim. Daí sua revolta contra os ministros do Supremo Tribunal Federal que se filiam à tradição anglo-saxã de revisão constitucional. Este 7 de setembro foi marcado por diversos componentes: a mistura de um anticonstitucionalismo, que tem caracterizado todos os momentos de desafio à democracia no Brasil, com um militarismo que se encontra na berlinda, depois do papel lamentável desempenhado por militares no Ministério da Saúde. No final, essas foram manifestações marcadas mais pelo caos e pela desordem do que por uma ideia de golpe de Estado.

Jair Bolsonaro não está interessado em patrocinar um golpe clássico, com uma ideia de ordem e hierarquia. O que ele parece querer patrocinar é um movimento de desordem que termine por retirar a legitimidade do sistema democrático. Nesse sentido, Bolsonaro é diferente de Collor e de Jânio Quadros, e o centro da sua atuação política não parece estar centrado nem no Estado e nem em uma ideia de hierarquia partilhada pelas Forças Armadas e por uma boa parte das elites políticas e econômicas. O objetivo do 7 de setembro não foi o de propor um golpe clássico, ainda que um ataque às instituições judiciárias faça parte do manual dos golpes de Estado. O objetivo das manifestações foi jogar a maior parte possível da opinião pública contra as instituições políticas e as instituições democráticas. É provável que Jair Bolsonaro repita essa operação diversas vezes no próximo ano, apesar de ele ter recuado dessa posição dois dias depois das manifestações. O presidente sabe que suas chances eleitorais no ano que vem são baixas e provavelmente procura estruturar um movimento contra as instituições democráticas desde já. Dificilmente esse movimento contará com o apoio de atores clássicos que no passado patrocinaram golpes de Estado, o que não significa que essas ações não irão fazer um grande estrago e contribuir para uma erosão ainda maior da democracia brasileira.