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Três poemas inéditos

Rafael Carneiro

Homens muito assinados o mundo versou em mim
Homens que eu ia mentando assim

O que no rosto é visita de embora
O que no rosto não é sequaz do rosto

O que no rosto é a recusa do retrato
Componentes mãos que, Agosto, não consigo me lembrar

Homens muito assinados o mundo versou em mim
Homens cuja assinatura jamais pude falsificar

Homens traçados em relevo no chavão da noite de Agosto
Homens que a fumaça e a noite vindo variarão

Homens de caminhar de um gesto a outro
Alfabéticos

A primeira letra sendo o Sopro, sendo o Sopro
A corrente de ar do banheiro na (fria) noite de Agosto

Homens frios me falavam de um alfabeto em chamas
Que combinatória ouvia eu?

(Para cada pau, abraâmico ou não, que agarrei nesta vida,
Perguntei: você é o silêncio? Você é o silêncio?)

Homens que iam caindo de quartetos de cordas
Para teclados Casio e depois para o amor


Rafael Carneiro

Todo dia ele escreve alguma coisa
As horas de vidro as horas de moog
Todo dia o poeta do sino todo dia
Ele escreve alguma coisa
Baixa do botão todo dia são as primeiras letras
Todo dia um Deus de Vingança à capa do caderno de caligrafia
Todo dia um Deus de Milagres de meio às redes wi-fi
Todo dia vai instalar-se em bairro mais sossegado
Todo dia o poeta do sino desce do sino escreve uma coisinha
Todo dia não espera acontecimento
Todo dia a mão de que pode lançar mão
Todo dia são as primeiras nugas
Todo dia uma questão de tônus
Todo dia suspira por uns longos dedos de pianista
Todo dia suspira por abocanhar do piano uns longos dedos de pianista
Todo dia escreve por vezes alguma coisa
Acontece alguma coisa e vem pegar-se ao que ele escreve
Todo dia isto nem sempre acontece
A ênfase recai no mais dos casos sobre a peripatética dos dedos
Sobre os dedos que ele caminha rodopiando a caneta
Todo dia rodopiando cigarro garfo caneta
Todo dia a lisa exorbitância da parede
Todo dia debuxa
Todo dia pega um número na mentira
Todo dia ora inventa um acontecimento
Toda hora dia o que seria um acontecimento
Todo dia ele se achega ao passaporte e escreve alguma coisa

Rafael Carneiro


Guai!
Guai dos que como ele semelham-me
A mim
Dos que como ele a custo traquejam a voz para locutor
            aveludam-na para trompa para o derruir de muralhas
Bambo beiço
Dos que como eu
Talhados da mesma moleza
Alegam ter alcançado o termo de mais uma semana com pernas de invenção
Guai dos que como eu como ele são
E não percebem níquel
Guai dos que como ele são como eu e mesmo um isto mais meândricos
Dos que vão a festas com dentes realistas
Dos que não deixaram rastro de migalha de pão de retorno a Grimm
Sumidos numa transparência, mas surgem dispersos aqui e acolá
Como eu, sans a ortodoxia de um eu
Como eu, mas sem acatos
Que como eu, reluzem de jargão
Reluzem de algum jargão
Que como eu, guai!
O destino mau houve por bem
Um homem incidir sobre outro
      Que incidirá sobre outro
            Que incidirá sobre outro
O destino mau houve por bem que homens de idêntica descontinuidade
O destino mau houve por bem que homens muitíssimo afins