Militantes, anunciantes, meliantes, nada como antes

Parejas I, Renata Pedrosa
Não sou grande fã de Twitter e do Instagram, como se pode deduzir por minha faixa etária, mas comecei a acompanhar com prazer o #desmonetiza
Essa campanha específica do “Sleeping Giants”, rede mundial de ciberativistas iniciada nos Estados Unidos em 2016, dedica-se a contatar os anunciantes da emissora de extrema direita, apontando os casos em que comentaristas xingaram, mentiram, esbravejaram e alimentaram a estupidez nacional. Enganações sobre a vacina, lorotas sobre urnas eletrônicas e elogios ao golpismo militar são reproduzidos em vídeos curtos, e grandes empresas que patrocinaram essa indústria de fake news são contatadas.
Para minha surpresa, essas empresas respondem ao #desmonetiza, pedindo desculpas ou prometendo revisões de sua política de marketing. Eis uma mensagem recente da Texaco Lubrificantes:
Agradecemos pelo aviso, pessoal! Já pausamos os anúncios em questão e nosso time irá revisar toda a estratégia para garantir que os veículos que transmitem nossa mensagem estejam alinhados com nossos valores. Reforçamos que não apoiamos qualquer discurso de ódio ou disseminação de fake news e prezamos sempre pela verdade e por informações de qualidade.
Será bom demais para ser verdade? Ou, talvez, sinal de que tudo inspire preocupações sem fim? Quando os “valores da Texaco” são garantia para barrar a violência bolsonarista, é de observar o grau de incivilização a que chegamos.
Além disso, assusta a quantidade de anunciantes com que contou a Jovem Pan durante esse tempo todo. Os “Sleeping Giants” atingiram a marca de duzentas empresas com mensagens como as que reproduzi. É boa notícia, mas foi má notícia enquanto a festa durou.
Nauru, Renata Pedrosa
Nada impede que bolsonaristas, sem dúvida melhores do que a esquerda no uso das redes sociais, comecem a fazer o mesmo. Não digo que se mobilizem contra emissoras de rádio e TV com conteúdo de esquerda — porque não conheço nenhuma; mas, na cabeça deles, se a Globo noticia algo contra Bolsonaro já é sinal de comunismo.
É o caso de perguntar quais os limites, portanto, para esse tipo de ação. A Jovem Pan entrou na Justiça para impedir a campanha dos “Sleeping Giants”. Alegou tratar-se de um “ataque à liberdade de expressão”. O caso não cola, porque com esse tipo de argumento a Jovem Pan termina negando outra liberdade, mais sagrada talvez, que é a do anunciante pagar por anúncios onde bem entende.
Mas foi uma decisão liminar, do Tribunal de Justiça de São Paulo. E é claro que, para contestar uma ação da Jovem Pan, qualquer rede de militância democrática precisa de advogados também. Diversos advogados se dispõem, sem dúvida, a fazer esse trabalho sem cobrar. Mas até onde, até quando, e a que custo?
Mais uma vez, vejo que o velho caminho da “mobilização cidadã”, que tantas esperanças me trazia quando a internet estava começando, é mais complicado e tortuoso do que eu pensava.
O Supremo Tribunal Federal, e mais especificamente o ministro Alexandre de Moraes, foram decisivos para barrar a ação bolsonarista do 8 de janeiro. Manifestações de massa contra aquele bando seriam suficientes? Acho que, nessa hora, o que vale é polícia e cadeia.
A vida toda ouvi falar de garimpo ilegal e invasões da terra yanomami. Notícias e mobilizações apareciam na internet; as pessoas clicavam seus “likes” no Facebook. Não fosse o presidente Lula ter ido pessoalmente ao local do conflito, o caso dificilmente teria tido as dimensões de escândalo internacional que adquiriu. Claro, era um escândalo, e era um assunto de interesse internacional.
Mas o peso dos poderes instituídos, pelo menos do Executivo e do Judiciário, foi decisivo para convencer este comentarista, de herança meio gramsciana e meio libertária, de que a “sociedade civil” resolve menos do que parecia.

Parejas II, Renata Pedrosa
Era tudo muito bonito quando se imaginava uma “sociedade civil” democrática, progressista, com simpatia pelos direitos humanos e pela igualdade social. Era a nossa sociedade civil de 1975, 1980, que se apresentava como um contrapeso ao Estado.
Vou ficando mais “estatista”, neste sentido; vejo-me pedindo a “mão pesada” da justiça, torcendo por mais cadeia e pela proibição de conteúdos nocivos na internet. Confio menos no livre “debate de ideias” — que tipo de debate, e que tipo de ideias, posso ter se confrontado com o berreiro da extrema direita?
Não é que estou ficando menos democrático e menos bonzinho. É que princípios gerais, com o tempo, são contestados pela experiência, raras vezes boa, da realidade.
E que venham mais desmonetizações para ajudar.
Outro passo, a ser dado em breve, merece ser lembrado aqui. É o da “monetização”. A Revista Rosa, por exemplo, bem que está precisando.