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O melhor jeito é corromper a fascistada

Resistência, Renata Pedrosa

Resistência, Renata Pedrosa

Não sem prazer, leio que grupos bolsonaristas pretendem boicotar as comemorações do 7 de setembro. Consideram-se “traídos” pelas Forças Armadas, que não se engajaram no golpe pretendido.

O lema deles para a data cívica é “Fique em casa”. Excelente ideia.

Aproveitando a deixa, o governo Lula faz um esforço para “ressignificar” o desfile. O slogan, diz reportagem da Folha de S. Paulo, será “democracia, soberania e união”. Adianta-se que “as cores verde e amarela serão usadas como tentativa de mostrar que não foram capturadas pelo bolsonarismo”. Mais ainda, a proteção da Amazônia será identificada ao tema da “soberania nacional”, algo que os militares devem apreciar.

Politicamente, a estratégia é correta. Tem muito de faz de conta, é certo. Não consigo acreditar que generais brasileiros tenham tolerância com relação a Lula, nem que acreditem na democracia. Estou esperando há décadas que façam a autocrítica do golpe de 1964.

É pedir demais? Sim, porque a Marinha até hoje se recusa a dar razão aos marinheiros que se revoltaram contra a prática dos açoites em seus navios, há 113 anos. Quando se quis incluir João Cândido, o líder negro da Revolta da Chibata, na lista dos heróis da pátria, a alta hierarquia da Força manifestou-se com uma espécie de apelo à “serenidade”.

“Dificilmente podemos aquilatar, com precisão, as origens e desdobramentos daquela ruptura do princípio hierárquico”, obtemperou a nota oficial. Num tocante uso do vocabulário democrático, a Marinha acrescentou (isso foi em 2021) que as reivindicações dos açoitados poderiam ter sido expressas “com a devida compreensão e respaldo dos superiores, por meio da argumentação e, sobretudo, do diálogo entre as partes”. Reconheceu, entretanto, que “os castigos físicos aplicados na época não estavam corretos”. Os torturadores civis e militares de 1964 em diante não chegaram, até onde sei, a ser objeto de tão audaciosa consideração.

Seja como for, os bolsonaristas estão decepcionados com as Forças Armadas. Menos mal. Poderiam decepcionar-se, também, com o próprio Bolsonaro, depois do caso Lava-Jato.

Quem sabe um pouco disso já não está acontecendo? Sem dúvida, a liderança de Bolsonaro está em declínio. Neste setembro de 2023, na cidade de São Paulo, só 15% dos entrevistados se dizem “bolsonaristas”, contra 32% de petistas, segundo o Datafolha.

Esse tipo de sentimento pode mudar, é claro, e cedo ou tarde a direita inventará algum novo salvador da pátria para substituir seu desmoralizado capitão.

O momento pode ser bom, entretanto, para que o governo Lula avance na tarefa de minar a base bolsonarista. Fora a elite irredutível, aquela dos médicos, dos prováveis parentes de quem está me lendo, das colecionadoras de bolsas Louis Vuitton, da turistada média que encontro nos aeroportos, talvez haja um campo a ser explorado.

O governo anuncia, por exemplo, um novo ministério dedicado à pequena e à média empresa. Esse tipo de organismo pode não servir para nada. Mas acho essencial que sirva, e que tenha de preferência um ocupante barulhento e marqueteiro: essa pequena burguesia, identificada ilusoriamente com o grande capital, às turras com ações trabalhistas, endividada e ressentida, é provavelmente um viveiro de bolsonaristas.

Odeia a corrupção lulista — e aí o governo Lula não terá como satisfazê-la —, mas também considera todo imposto um roubo. Vem daí, sem dúvida, uma crença que nem mesmo com Jesus Cristo na Presidência da República seria modificada: a ideia de que todo governo é ladrão.

A tarefa seria, portanto, semelhante à adotada com os políticos do Centrão. Para conseguir apoio dessa gente, será preciso corrompê-la também.

Corromper pastores evangélicos também não é impossível. Pelo contrário. Talvez falte dinheiro. Punição a militares golpistas é essencial. Mas, junto com o porrete, alguma cenoura talvez ajude. Equipamentos e, talvez principalmente, sinecuras (de preferência no Exterior) adicionariam às formalidades do Sete de Setembro algo mais substancial que o esforço de “ressignificação” agora em curso.

Como dizem, a democracia tem seu preço.