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Cadê todo mundo?

Evento 1, Renata Pedrosa

Sábado passado, 1 de abril, fui à Faculdade de Direito de São Paulo para assistir a um ato do movimento Anistia Nunca Mais. Alcançaram-se 100 mil assinaturas pela constituição de um tribunal popular que julgue os crimes de Jair Bolsonaro e seus aliados. Não acho que havia mais de 300 pessoas no evento.

Como tem acontecido ultimamente, vou a esse tipo de manifestação, olho em volta e pergunto: “cadê todo mundo?”.

Décadas atrás, qualquer evento a favor de causas de esquerda, qualquer comício (não que eu fosse a todos) era uma ocasião para encontrar amigos, ex-colegas de faculdade, gente conhecida. Tive um pouco dessa sensação ao comemorar a vitória de Lula na avenida Paulista, no ano passado. Até uma prima, ovelha negra como eu numa família nem sempre comprometida com as causas populares, me reconheceu depois de quarenta anos sem contato.

Mas era uma manifestação gigantesca. As outras não eram. E por que não eram? Minhas previsões costumam dar errado. Achei que depois da pandemia houvesse a vontade de aproveitar qualquer momento para fortalecer a resistência à extrema direita.

Intelectuais de classe média, estudantes, professores, advogados, o pessoal da minha geração — aparentemente se cansaram. Cumprimentei Peter Pál Pelbart naquele dia; mas, na plateia, não conhecia mais ninguém.

Evento 2, Renata Pedrosa

Estava lá, naturalmente, Vladimir Safatle, organizador do grupo Manifesto Coletivo, que idealizou esse movimento; foi autor de um discurso memorável, comovente, naquele dia. E olha que, para eu ficar comovido com Safatle, é que o discurso foi bom mesmo, a menos que eu esteja sofrendo os primeiros sintomas do sentimentalismo senil.

Não ouvi todos os discursos, mas acho importante destacar o que foi dito por mais de um orador, além de Safatle.

Não se trata de lutar só contra a impunidade de Bolsonaro. Não se trata só de questionar a Lei de Anistia de 1979, que salvou militares torturadores e assassinos de seu devido processo. O genocídio, a tortura, a matança vieram de antes — desde a colônia —, e continuam todo dia, com Bolsonaro ou sem ele.

Por isso mesmo — eis a boa notícia — o pessoal que encontro nesse tipo de manifestações não é mais aquele que eu via antes. Há muito mais negros e pessoas da periferia. Militantes do MST, participantes de organizações sem-teto. E membros de torcidas organizadas de futebol.

Esquerdopatas tricolores, Porcomunas, Revolução Corinthiana. São, sem dúvida, vítimas de uma violência policial contra jovens pobres que não se altera quando o governador do Estado tem um histórico mais democrata que os de Tarcísio ou de Paulo Maluf.

Não vou dizer que o fascismo sempre foi uma regra no Brasil, nem que Bolsonaro possa ser comparado ao que veio antes. Acho que ninguém achava isso na manifestação.

Mas que a vitória de Lula tenha sido tão apertada, e que o país tenha eleito em 2018 um deputado que fez o elogio público de Brilhante Ustra, é sinal que tortura e esquadrão da morte não são coisas que causem indignação no Brasil.

De índios, nem vou falar. Mas a própria ação criminosa do governo Bolsonaro na pandemia não foi, a meu ver, decisiva para os rumos da campanha de Lula no ano passado. Custo de vida e desemprego, provavelmente por inspiração dos marqueteiros e dos gênios da estratégia eleitoral, ganharam mais destaque. É assim que se procurou ganhar o voto dos “indecisos”.

Indecisos. Santo Deus.

Evento 3, Renata Pedrosa

O Psol, e em especial a deputada Sâmia Bonfim, me põem informado por e-mail de iniciativas como a do abaixo-assinado contra a anistia. Comecei perguntando “cadê todo mundo?” Gostaria de acrescentar: “cadê o PT?” É tanto pragmatismo assim, para que uma ala qualquer do partido de Lula, pequena que seja, não possa dar uma força a esse movimento?

Uma palavra sobre a questão do “tribunal popular”, que, pelo que sei das discussões dentro da Revista Rosa, não obtém unanimidade por aqui.

Também tenho antipatia por esse mecanismo de atuação, apesar de seu pedigree notável, que remonta a Bertrand Russell e ao julgamento dos crimes americanos no Vietnã.

Acho desconfortável que se faça uma encenação de justiça formal, com “advogados de defesa” que estão lá, obviamente, para enfeitar um processo cujo resultado já sabe. Tribunais revolucionários, tribunais populares, esse tipo de coisa não é feito para ter isenção e equilíbrio. A mais geométrica das isenções, que eu gostaria de ver praticada, já seria de todo modo capaz de condenar, sem suspeita de militância, os criminosos de Estado que deitam e rolam pelo país.

Mas enfim. Que seja. O tribunal proposto pelo abaixo-assinado serve explicitamente para “forçar o debate público e ação do novo governo”. Precisamos disso. Se quiser assinar, é aqui: www.change.org/p/anistia-nunca-mais.