Campos Neto está certo

Roberto Campos Neto está certo. E há pelos três fortes argumentos para sustentar essa opinião.
Primeiro, por conta de seu currículo inquestionável. Estudou economia nos EUA, graduando-se na UCLA. Pela mesma instituição, fez pós-graduação em Finanças. Trabalhou no setor privado por muitos anos, primeiro no Bozano Simonsen e, depois que esse banco foi incorporado ao Santander, Campos Neto foi executivo dessa última instituição durante mais de uma década. No final de 2018, foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir o Banco Central a partir do ano seguinte.
Segundo, por conta de sua corajosa defesa da autonomia do BC. Essa independência do Banco Central é necessária para que a instituição financeira fique longe das pressões políticas governamentais e também a salvo das influências do mercado financeiro. Seu cargo é estritamente técnico e, portanto, isento; ele procede segundo análises econômicas, não políticas. Como disse Campos Neto em evento do Bradesco: “Politizar algo que é totalmente técnico deixa os diretores e funcionários bem preocupados. Tem pessoas que passam a noite rodando modelo. Não é político, sempre é técnico”.
Também em seu discurso de posse como presidente do Banco Central, Campos Neto defendeu a independência da instituição, dizendo que ela é “muito importante por muitas diferentes razões”, sendo a principal razão “desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses”. Assim, em sintonia com Paulo Guedes, ele foi um dos responsáveis por conseguir a aprovação, em fevereiro de 2021, da lei que estabelece mandatos fixos para o presidente do BC e mais nove membros da diretoria do banco, mandatos que se estendem até o final de 2024 e não são coincidentes com a presidência de Lula.
Terceiro, por seu esforço para cumprir as exigências de seu cargo. O controle da inflação é central para um país e beneficia sobretudo os mais pobres, sempre os mais atingidos pela alta dos preços. Daí a importância de conseguir manter a taxa no interior das metas propostas. A meta é fundamental para ancorar as expectativas quanto aos juros e à inflação futura, o que confere mais segurança econômica para os investidores. Por isso o Brasil adotou, como nos mostra o exemplo bem-sucedido dos países desenvolvidos, o regime de metras de inflação em 1999.
Em seu primeiro biênio, Campos Neto conseguiu manter a meta de inflação dentro da medida estipulada. Já em 2021, quando de fato começou seu mandato fixo, ele teve dificuldade devido à pandemia, porém no ano seguinte, mesmo com a Guerra da Ucrânia, ficou apenas um pouco acima da banda superior de 5%. De qualquer forma, caso a inflação estoure a meta, o presidente do BC tem que endereçar uma carta ao Ministro da Fazenda prestando explicações, o que Campos Neto fez, explicando que a inflação persistia alta por uma série de razões alheias à atividade do Banco Central.
Veja, caro leitor, me desculpe o susto. Até aqui, apenas reproduzi um discurso padrão, que pode ser encontrado em comentaristas da grande mídia, em influencers de investimentos ou em páginas de pregação ideológica liberal. Agora, temos que traduzir algumas expressões.
Currículo inquestionável. Sua trajetória não deixa dúvidas: mais um liberal vigarista. É fácil detectar esse tipo: ao ser perguntado sobre pessoas, ele fala sobre números; ao ser questionado sobre opiniões políticas, diz-se apartidário e defensor das instituições; ao ser indagado sobre seus argumentos e decisões, ele saca do bolso o último paper do melhor journal a fim de se justificar. É disso que querem nos convencer, que mais uma vez precisamos de um banqueiro tomando conta do Banco Central — mais uma raposa tomando conta do galinheiro.
De novo um representante do mercado financeiro se torna dirigente do BC e, mais tarde, vai voltar a ser executivo de um banco privado. Esse percurso, conhecido informalmente como porta giratória, é um crime tolerado pela sociedade brasileira, em que agentes privados carregam interesses para o setor público e depois que saem ainda levam informações privilegiadas. A quarentena de seis meses sancionada em 2013 é apenas uma piada de mal gosto diante do fenômeno.
Corajosa defesa da autonomia do BC. A ideia da independência do Banco Central era de que a instituição não fosse capturada por vontades políticas governamentais e nem por pressões vindas do mercado. As decisões do presidente deveriam ser de perfil técnico, sem qualquer ligação direta com nenhuma conexão com critérios políticos.
No entanto, Campos Neto fracassou nas duas frentes. A fotojornalista Gabriela Biló, em registro do início do ano, mostrou que ele estava em grupo de Whatsapp de nome “Ministros Bolsonaro”. Na mesma foto, é possível ver que um dos participantes faz elogios a sua atuação. Em agosto de 2021, provando mais uma vez o vínculo com o governo de ocasião, Campos Neto participou de um churrasco com os então ministros Ciro Nogueira, da Casa Civil, Tarcísio de Freitas, na época à frente da pasta de Infraestrutura, e Fábio Faria, das Comunicações. Mas Campos Neto não falhou apenas em desvincular a instituição do governo, ele também teve dificuldade na outra ponta. Em áudio vazado, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, diz que, durante a pandemia, Campos Neto pediu conselho para saber se já teríamos chegado à taxa de juros razoável para a situação.
A última das expressões: esforço para cumprir as exigências de seu cargo. Hoje há um ataque correto contra Campos Neto, dada a manutenção da taxa Selic. Mas seria importante ir além. Já durante a pandemia houve um corte excessivo da taxa, o que desequilibrou o câmbio para cima, prejudicando momentaneamente a importação e a combalida indústria nacional. Em seguida, dentro do período de um ano, a taxa saltou de 2% para 13,75%, evidenciando que a baixa havia sido além do razoável. Então nos dois primeiros anos de seu mandato, Campos Neto conseguiu não cumprir o mínimo para continuar no cargo, que é direcionar a meta de inflação e isso, importante ressaltar, por uma má conduta da própria presidência do BC.
Segundo pesquisas recentes, 80% da população está de acordo com as críticas de Lula à manutenção da taxa Selic e 95% do mercado financeiro desconfia de Lula. Voltamos a dizer, Campos Neto está certo: a taxa de juros está na medida exata. Mas, acompanhando a maior parte da população, seria preciso acrescentar: exata para estrangular a economia brasileira.