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Viver

Bruno Dunley

I

Viver não é matéria de piada:
        você deve viver com grande seriedade
                como um esquilo, por exemplo —
isto é, sem procurar algo acima ou além da vida,
                a vida deve ser a sua única ocupação.
Viver não é matéria de piada:
        você deve levar a vida a sério,
        tanto e em tal medida
que, por exemplo, com as mãos amarradas atrás das costas,
                com as costas contra a parede,
ou mesmo num laboratório
        com seu jaleco branco e óculos de proteção,
        esteja pronto a morrer pelas pessoas —
até por pessoas cujos rostos nunca viu,
mesmo sabendo que viver
        é a coisa mais real, a coisa mais bonita.
Você deve levar a vida tão a sério
que aos setenta anos, por exemplo, ainda plante oliveiras —
e nem sequer para os seus filhos,
mas porque, embora tema a morte, você não acredita nela,
porque a vida, a vida pesa mais.

II

Suponha que estejamos seriamente doentes, precisando de cirurgia,
ou seja, que talvez não venhamos a nos levantar
                                do leito branco.
Ainda que seja impossível não ficarmos tristes
                                por ter de partir um pouco cedo,
ainda vamos rir das piadas,
ainda vamos olhar pela janela para ver o tempo
ou aguardar ansiosamente
                        pelas últimas notícias…
Suponha que estejamos na linha de frente
        de algo pelo que vale a pena lutar.
Ali, na primeira ofensiva, naquele mesmo dia,
        podemos cair de cara na terra, mortos.
Teremos consciência disso com uma raiva curiosa,
        mas ainda nos preocuparemos mortalmente
        com o resultado da guerra, que pode levar anos.
Suponha que estejamos na prisão,
perto dos cinquenta,
tendo mais dezoito anos pela frente
                antes de o portão de ferro se abrir.
Ainda viveremos com o lado de fora,
com sua gente, seus bichos, suas lutas e marés —
                isto é, com o mundo de além-muros.
Como e onde quer que vivamos,
        devemos viver como se não fôssemos morrer.

III

Esta terra um dia será fria,
uma estrela entre as estrelas
        e uma das menores,
um cisco dourado sobre veludo azul —
quero dizer, esta Terra, nossa grandiosa Terra.
Esta Terra um dia será fria,
não como um bloco de gelo,
nem sequer como uma nuvem morta
mas como uma noz vazia, ela rolará
                        pelo espaço negro e infinito…
Você deve lamentar por isso agora mesmo
— deve sentir essa dor agora mesmo —
pois você tem que amar o mundo tanto assim
se pretende dizer “Eu vivi”…

(Fevereiro, 1948)