5

Seis poemas

Estes textos fazem parte do livro Veritotem, a ser publicado pela editora Cultura e Barbárie, de Florianópolis, com ilustrações do autor. O livro se divide em duas partes, “Faketotem” e “Veritotem”, como explica o trecho do prefácio, transcrito abaixo. Os desenhos integram a série Massas nebulosas formadas por letras gregas e glifos maias.

— Marcelo Coelho


PREFÁCIO

Nesta homenagem ao símile homérico e à prosopopeia ameríndia, os termos veritotem (que provém de “veritatem”) e faketotem se confrontam e se completam. Ambos foram extraídos de Finnegans Wake, de James Joyce.

De dois poemas épicos — a Ilíada e o Popol Vuh — provêm os fragmentos de versos que intitulam os poemas verbo-visuais do meu livro.


(de “Faketotem”)

Tudo para atiçar o riso dos…

Coça-se o passarinho num fio diante do mar
Enquanto avançam recrutas correndo e vociferando
Pela praia iluminada
— o passarinho decerto compara o pelotão que se aproxima com as ondas do mar; e o vê afastar-se
— só diante do mar ele bica com determinação os seus piolhos


(de “Veritotem”)

Os seus cachorros lhes disseram…

Lagarteiam na calçada entre raízes antigas
Dois garrafões de água azulados, lado a lado,
Um quadrado e outro redondo,
Ambos secos mas tampados
— os garrafões de plástico não se movem quando vem o vento do mar, como se as raízes os retivessem ali
— então de mãos dadas se lançam de barriga no leito empoeirado da rua e se põem a rolar sem rumo nas lajotas; se separam talvez para sempre

A vítima estertora, feito boi no monte laçado e enleado pelos boiadeiros…

Então a haste afiada de um para-raios corta
Ao meio o arco-íris e uma metade some na garoa
Enquanto a outra (mais e mais visível)
Se sustém no velho teto escuro
— como um irado pé de galo, o para-raios cisca uma vez o arco-íris…
— meio apagado pela garoa num canto da paisagem, o arco-íris aparenta estar velho numa metade e novo na outra, embora inteiro

E assim a caveira lançou a sua saliva…

Carregado de garrafas de água mineral
O caminhão sobe a colina lançando para trás
Rolos negros que se expandem leves
Qual um rabo felpudo que não parasse
De crescer
— o rabo do caminhão é como uma pinça de caranguejo sobre o carro que sobe a colina atrás dele
— à sua frente o motorista vê garrafas de plástico desenterrando-se da espessa fumaça

Feito nuvem de gralhos que, gritando, esgarram…

Portões de ferro fechados no feriado nublado;
Um vira-lata enfia a fuça na pequena
Brecha enferrujada que o inesperado sol
Iluminou subitamente
— é como se o sol trancafiado quisesse escapar pelo buraco enferrujado que a fuça do vira-lata prontamente lacra
— o vira-lata na calçada aspira com prazer o calor que se concentrou no pequeno buraco do portão de ferro

Não pôde falar mais o nome dos lábios de sua boca…

Na almofada azul entre almofadas verdes
A gata serena ignora todos os pássaros
De louça e os coelhos de pelúcia espalhados
À sua volta em mesas e cadeiras
— a gata parece convencida de que o mundo é só uma almofada azul
— a louça e a pelúcia não lhe dizem respeito, então ela se enrola satisfeita