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O dia seguinte à eleição: o consenso e seu reverso1

GUILLØTINA, recortes de jornais do dia 31 de maio de 2022, Danilo Volpato

Em qualquer lógica, Emmanuel Macron saiu vencedor da eleição presidencial de 2022: ele foi eleito por estar conforme a ordem consensual das coisas em curso. Mas, quando o consenso se expande, reforça-se também o ressentimento que é seu exato reverso.

Se a recente eleição presidencial carrega uma reflexão, não é, evidentemente, por seu resultado. Este já era conhecido antes do começo da campanha. No mês de setembro de 2021, uma primeira estimativa dava a vitória a Emmanuel Macron com 55,5% dos votos contra 44,5% para Marine Le Pen. Em 24 de abril de 2022, o veredito resultante das urnas atribuía 58% para o primeiro e 42% para a segunda. O que a campanha recente pôde proporcionar foi sobretudo uma clarificação quanto ao nosso modo de governo e ao papel que nele desempenha a eleição presidencial.

Uma primeira reflexão se impõe: a previsibilidade da reeleição do presidente francês e o ligeiro ganho de votos que ele obteve em relação às primeiras estimativas não podem ser explicadas pela eficácia de sua campanha. Todo mundo pôde constatar que ele não fazia nada, enquanto sua concorrente demonstrou uma intensa atividade. Ele não foi eleito por ter desenvolvido uma potência de persuasão superior àquela dos concorrentes. Ele foi eleito por estar conforme a ordem das coisas em curso. É, portanto, essa ordem das coisas que nos convém examinar.

GUILLØTINA, recortes de jornais do dia 31 de maio de 2022, Danilo Volpato

Seu primeiro elemento é, evidentemente, a própria instituição da função presidencial e da eleição do presidente a partir do sufrágio universal. Essa última é vista por nós como a encarnação suprema da democracia. A história mostra que é bem o contrário. A eleição presidencial foi inventada pelos monarquistas na Segunda República como meio de restaurar um sistema monárquico, e cumpriu seu objetivo, à exceção de que o monarca não foi aquele que eles esperavam. Foi reinstaurada por De Gaulle para fazer do chefe de Estado a encarnação direta do poder do povo e acompanhada de um certo número de meios de concentração de poder (sistema eleitoral majoritário, decretos, artigo 49-3), reforçados ainda desde que as eleições legislativas foram acompanhadas da eleição presidencial. O voto para a eleição presidencial tornou-se assim a única intervenção real do sujeito povo no governo da nação. E essa única intervenção é uma demissão. O povo só existe para remeter seu poder a uma única pessoa, o que é propriamente a característica de um regime monárquico.

Essa evidência podia ser negada contanto que o processo eleitoral fosse estruturado pela oposição de uma direita conservadora e de uma esquerda socialista. Sabe-se como essa estruturação material e imaginária se evanesceu com a entrada em jogo do segundo componente essencial da nossa ordem das coisas: o consenso, ou seja, a evidência compartilhada de que há apenas uma maneira de governar as nossas sociedades. Depois das grandes promessas de revolução social do começo do reinado de Mitterand, a esquerda socialista progressivamente se rendeu à única verdadeira revolução dos nossos tempos, a contrarrevolução que impôs ao mundo inteiro a lei de um capitalismo absolutizado.

Essa contrarrevolução fez do ganho de capital o único princípio de organização da vida em nossas sociedades. Ela destruiu as forças sociais que formavam a base dos partidos de esquerda e os procedimentos de redistribuição de riquezas que lhes conferia um programa. A esquerda dita socialista acabou por aderir totalmente a esse “no alternative”, fórmula da revolução dita conservadora, de Thatcher e Reagan, e que é hoje a de todos os nossos governos: nenhuma alternativa à lei do capitalismo absolutizado ditada pelas potências financeiras mundiais e transmitida para nós pelas instituições europeias. Nada de alternativa, ou antes uma única alternativa: a pura e simples catástrofe que não pode deixar de chegar se desprezarmos essa lei.

GUILLØTINA, recortes de jornais do dia 31 de maio de 2022, Danilo Volpato

Desse modo, a oposição direita/esquerda perdeu toda a sua substância. Se não há outra coisa a fazer a não ser executar localmente os requisitos da ordem capitalista mundial, um único partido é suficiente: um partido que não é nem de direita nem de esquerda, mas simplesmente o partido do poder. O processo pelo qual o povo declara renunciar a seu poder em benefício de um único homem é, portanto, idêntico àquele pelo qual ele reconhece que não há alternativa à ordem capitalista globalizada. Dito de outro modo, o voto por meio do qual espera-se que o povo expresse sua livre escolha é idêntico ao reconhecimento de que ele não fez escolha alguma.

Essa identificação da livre escolha à ausência total de escolha poderia parecer uma contradição irresolúvel. Ela se resolve muito bem, no entanto, graças a uma condição necessária e suficiente: basta que a “escolha” a ser feita se identifique à única escolha reconhecida pela lógica do “no alternative”, a saber, a escolha da necessidade contra a catástrofe que a sua negação inevitavelmente implica. É preciso que a escolha seja operada entre o partido da ordem normal das coisas e seu contrário, o partido da catástrofe. É esse último papel é atribuído ao partido de Marine Le Pen.

A preguiça intelectual identifica o lugar ocupado hoje na Europa pelos partidos de extrema direita ao ressurgimento de um fascismo vindo das profundezas viscerais do povo comum. Com isso se evita reconhecer que essa extrema direita é o simples complemento ou o reverso da ordem consensual. Depois da falência dos partidos de esquerda, que não expressam mais nenhum projeto progressista sustentado por uma força social conquistadora, nossa extrema direita expressa a única força de recusa autorizada pelo sistema: o simples ressentimento em relação à ordem dominante das coisas.

GUILLØTINA, recortes de jornais do dia 31 de maio de 2022, Danilo Volpato

Ela o expressa ao explorar a pequena margem de desvio que deixa a ordem consensual. Nossos governos se encarregam de medidas que assegurem a livre circulação mundial de bens e de capitais. Para outras formas de circulação, como as das populações atingidas pela miséria ou pela violência e desejosas de compartilhar qualquer coisa da riqueza acumulada nos países privilegiados, eles instituem uma partilha econômica das tarefas: encarregam-se de medidas administrativas e policiais próprias para conter o fluxo de populações indesejáveis (regulamento de Dublin, polícia de fronteiras, endurecimento das condições de naturalização etc.) e deixam a gestão imaginária dessa indesejabilidade à extrema direita, sua especialidade natural. Ou lhe deixam ainda a gestão bruta desse material imaginário do qual extraem e refinam em benefício próprio o conteúdo “sensato”, transformando, por exemplo, as palavras de ordem de exclusão dos indesejáveis em leis contra o “separatismo” desses mesmos indesejáveis. Assim, eles tornam nulos os esforços de desdemonizar a extrema direita. Essa última se encontra reduzida ao estado de espectro, ainda mais assustador porque toda a sua carne foi assimilada pela ordem consensual.

O terreno está então liberado não somente para que a escolha paradoxal de ausência de escolha funcione, mas também para que ela se identifique à escolha mais radical, para que a necessária adesão ao monarca, encarnação da ordem consensual, torne-se o combate heroico da democracia contra o horror totalitário. É a comédia agora bem regulada entre os dois turnos, em que os mesmos jornais publicam lado a lado pesquisas que indicam a reeleição já garantida do candidato de direita e editorais inflamados advertindo às pessoas de esquerda que nada está decidido e que só sua abnegação impedirá o país de afundar no horror fascista. Tal é, na distribuição consensual dos papéis, a parte designada às grandes consciências da velha esquerda: entoar o refrão das almas divididas que provem sua fidelidade a suas convicções igualitárias e anticapitalistas, sacrificando-as em nome da necessidade, proclamando “apelamos que votem hoje no candidato do capital a fim de melhor combatê-lo amanhã”.

GUILLØTINA, recortes de jornais do dia 31 de maio de 2022, Danilo Volpato

Pode-se julgar insignificante a eficácia prática dessa retórica: o pequeno contingente de consciências divididas que votam na direita por fidelidade às suas convicções de esquerda é, de todo modo, já contabilizado pelas estatísticas que prometem a vitória ao candidato do consenso. Mas assim se desconhece a verdadeira eficácia dessas declarações: elas estão aí justamente para negar o fato de que elas estejam já contadas, para provar que há realmente uma escolha, que a eleição presidencial é a manifestação exemplar da democracia e que a adesão à necessidade do capitalismo globalizado, a mais alta expressão do livre-arbítrio.

Esse efeito, no entanto, não é de simples reprodução. Quando o consenso se expande, se reforça também o ressentimento que é obrigatoriamente o seu reverso. O efeito não é apenas que, de eleição em eleição, a extrema direita, contra a qual se apela a uma união sagrada, amplie sua voz. É principalmente porque suas fórmulas e suas emoções continuaram se propagando para além de si mesma que a “catástrofe” racista da qual nos orgulhamos de ter evitado com nossa abnegação continua espalhando seu império em cabeças “sensatas”, corroendo cada vez mais a ordem consensual.