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Eleições presidenciais na França: um panorama melancólico

Em abril, a França escolhe o seu próximo presidente. Numa eleição em dois turnos, há 11 candidatos no páreo sendo que um deles agiu nos bastidores até dia 3 de março: Emmanuel Macron só se declarou formalmente fazendo parte da largada 24 horas antes de se fecharem as inscrições na lista eleitoral, alegando outras prioridades inerentes ao seu cargo de presidente da França e presidente do Conselho da União Europeia nos seis primeiros meses de 2022. Macron parece mesmo à vontade no usufruto de privilégios que o cargo autoriza, ainda que contrariando princípios republicanos elementares. Enquanto “presidente dos ricos”, como é chamado por ter abolido o imposto sobre grandes fortunas assim que assumiu a presidência em 2017, Macron, de imediato, provocou uma radicalização das lutas sociais na França, a ponto de surgir um movimento inédito, como o dos Gilets Jaunes. Sua contrapartida foi aumentar a repressão policial contra as manifestações populares.

Depois de meses de indefinição, dos 45 homens e mulheres que almejaram sair candidatos à presidência da República, apenas 11 postulantes obtiveram as 500 assinaturas de apadrinhamento exigidas pelo Conselho Constitucional e que são outorgadas por políticos eleitos e no exercício de uma função (deputados e senadores, membros do Parlamento Europeu, prefeitos etc).

Na verdade, o número de candidatos potencial seria ainda maior, não fosse boa parte ter colocado a viola no saco, notadamente no campo conservador (13). Só à esquerda foram 5. A fragmentação crescente do panorama político-eleitoral francês se manifestou também nas primárias populares à esquerda. Iniciativa de origem não partidária, reuniu quase 400 mil pessoas para quem a única chance de um candidato de esquerda ir para o segundo turno e frear o avanço da direita seria o bom senso da renúncia de todos/as em prol do nome que saísse vencedor nessa consulta popular, feita com grande rigor. Antes mesmo da votação, os nomes de peso à esquerda (Jean-Luc Mélenchon, pelo partido La France Insoumise; Yannick Jadot, pelo Europe-Écologie-Les Verts; Anne Hidalgo, candidata oficial do PS) já haviam se manifestado contrários à consulta e indiferentes ao resultado. Seus nomes permaneceram ainda assim na lista das primárias populares, que excluiu a priori o nome do candidato do PCF, alegando divergências profundas que impossibilitavam sua inclusão nas primárias da esquerda. Une fois n’est pas coutume, a esquerda se autogolpeia até quando clama por unidade e consistência.

Venceu as primárias populares com ampla vantagem a ex-ministra da Justiça do governo socialista de François Hollande, Christiane Toubira, azarão de última hora que entrou correndo por fora e que foi bombardeada em seu próprio campo. Venceu uma não apparatchik. Alguém que se afastou das estruturas partidárias convencionais e do socialismo de plantão e que é crítica a ambos, embora concorra pelo seu antigo partido (Parti Radical de Gauche). Venceu Toubira, mas fracassou a união das esquerdas. Contudo, Toubira, acusada de ter dividido ainda mais as esquerdas, não conseguiu reunir as 500 assinaturas de que necessitava para viabilizar sua candidatura. Até mesmo Hidalgo, hoje prefeita de Paris e com apenas 2% das intenções de voto segundo as pesquisas pré-eleitorais, conseguiu impor um veto a que os representantes eleitos do PS aportassem o apoio na forma de apadrinhamento à candidatura de Toubira. Esse sonho morreu na praia embora tivesse expressado os anseios de unidade na esquerda.

A dois meses das eleições, as pesquisas de opinião indicam que as propostas da direita e da extrema direita caíram no gosto do eleitorado. Juntos, Marine Le Pen (Rassemblement National), Eric Zemmour (Reconquête, sigla por ele criada) e Valérie Pécresse (Les Républicains, de tendência gaullista) totalizam 45% das intenções de voto e de forma bastante equilibrada (1/3 cada um). Macron vai surfando nos seus 23–25%. A esquerda dividida se encolhe em apenas 1/4 do eleitorado, com Mélenchon liderando (13%) com folga. A situação é tão dramática que a ex-candidata à presidência da República pelo PS, Ségolène Royal, que abriu mão de disputar a indicação contra Anne Hidalgo no seu partido este ano, vem clamando pelo voto útil em favor de Mélenchon.

Diga-se que a novidade à esquerda reside na candidatura do jornalista Fabien Roussel, pelo Parti Communiste Français. Há 15 anos, o PCF vinha se alinhando ao La France Insoumise, apoiando Mélenchon, e parecia prestes a desaparecer do cenário eleitoral no que tange as eleições presidenciais. A reviravolta e o renascimento vêm com um discurso radicalmente repaginado que retoma o ideário dos tempos do Front Populaire, momento de profundas reformas que transformaram a vida dos trabalhadores e das classes populares. À memória dos tempos de esperança e conquistas, somam-se agora algumas notas mais contemporâneas, como a defesa dos direitos LGBTQI. No seu programa de governo, intitulado “La France des Jours Heureux”, que reúne mais de 180 propostas para que todos possam usufruir do que é bom e belo na sociedade francesa, o termo “comunista” não figura uma vez sequer. No lugar de construir o socialismo, a palavra de ordem é por uma França Popular. Semana de 32 horas para todos; salário mínimo líquido de 1.500 euros; manutenção e expansão do nuclear para reindustrializar a França e superar definitivamente as fontes de energia fósseis até 2050; renda básica universal de 850 euros para todos os estudantes, podendo alcançar 1.000 euros para cobrir despesas de moradia, são algumas das novidades de uma plataforma que considera l’esprit du temps. Pela primeira vez desde final dos anos 1960, o candidato do PCF está a frente da candidata do PS nas pesquisas de opinião (5% contra 2%, respectivamente).

No mês que precede as eleições, a única certeza é Macron estar no segundo turno, ainda mais agora que ganhou grande protagonismo como mediador direto e exclusivo junto ao Kremlin em meio à invasão da Ucrânia. Conversa com Putin a cada dois dias. Contra Macron, também no segundo turno, podem estar Précresse, Zemmour, Le Pen, mas também Mélenchon. As divisões entre os ecologistas com a cisão no âmbito das lideranças da EELV na reta final da corrida eleitoral podem levar a que os dissidentes venham a apoiar Mélenchon, tornando-o adversário do presidente dos ricos.

Para entender melhor o porquê da desunião das esquerdas que minguaram após um extraordinário protagonismo no cenário político francês do pós-guerra, a Revista Rosa convidou duas militantes de esquerda, ambas atuantes em estruturas partidárias, para expressarem seu ponto de vista sobre esse imbróglio sem fim. Uma é senadora pelo Parti Socialiste e atualmente vice-presidente do Senado, além de ter sido Ministra dos Direitos da Mulher na gestão Hollande: Laurence Rossignol. Já Florence Poznanski é secretária-executiva nacional do Parti de Gauche (PG) que integra a coalizão liderada pela LFI. É também membro do Parlamento da União Popular, uma iniciativa que se pensa como um laboratório de reconstrução da esquerda francesa, e que, nessas eleições, atua estabelecendo pontes entre os movimentos sociais de base e a candidatura de Mélenchon.

Com elas, a palavra.