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Exposição 24/7  1

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Cinema mudo, Carlos Fajardo

Nesta semana, o artista conceitual brasileiro Carlos Fajardo apresenta uma nova obra como parte de Redirección, uma exposição online no 45º Salón Nacional de Artistas de Bogotá, que possui curadoria de aarea e da artista Ana Maria Montenegro. Esta é a primeira vez que o Salão — originalmente estabelecido em 1940 — inclui obras de arte criadas especificamente para a web.

Um remake de um trabalho fotográfico de Fajardo do início dos anos 2000, a obra sem título2 consiste numa transmissão ao vivo de uma quina de uma sala comum. Numa postagem de Instagram que acompanha a obra, aarea descreve a obra da seguinte forma:

No trabalho, uma câmera fixa transmite ao vivo a imagem da quina de duas paredes, localizadas em ambiente interno e sem luz artificial. Durante o período de exposição do trabalho, a câmera opera ao longo de 24h, registrando a variação da luz solar refletida na superfície imperfeita das paredes, desde o nascer do sol até o anoitecer.

Com esse trabalho, o primeiro da produção de Fajardo feito para a internet, o artista resgata uma série de fotografias em preto e branco que realizou no início dos anos 2000. A série em questão, sem título, partia do interesse pictórico sempre presente na obra de Fajardo, registrando também o comportamento da luz no encontro de duas paredes distintas.

Como remake online de uma obra física, o trabalho oferece a oportunidade de considerarmos a relação entre arte produzida para web e a produzida para galerias. Essa comparação vem a ser problematizada por meio do assunto de Fajardo: uma quina ordinária de uma sala; uma forma arquitetônica limpa e mínima que evoca o espaço idealizado da galeria cubo branco. Mas se o cubo branco procura funcionar como um não lugar sem tempo, o assunto de Fajardo vem a ser exatamente o contrário.

A quina escolhida pela obra é, ao mesmo tempo, mais genérica que o cubo branco e mais específica — qualquer tipo de arquitetura, quaisquer duas paredes perpendiculares, mas com qualidades específicas e não idealizadas, com luz natural recaindo sobre elas de forma única a cada momento. Essa quina de variação sem fim contrasta com a arquetípica e hermeticamente fechada galeria cubo branco. (No texto clássico sobre o assunto, Brian O’Doherty3 escreve sobre tais espaços: “O mundo exterior não deve entrar, por isso as janelas costumam ser retiradas”.)

Nas exposições online, não existe um padrão real de arquitetura. O cubo branco continua a assombrar tais projetos como uma referência idealizada: ela pode ser replicada enquanto uma simulação, como na Chrystal Gallery de Timur Si-Qin; ela pode abrigar vernissages ou eventos em rede, como na próxima Wrong bienal; ela pode estar presente em documentações online. No entanto, exposições online devem propor sua própria estrutura e arquitetura, sem precisar se rebelar contra tal padrão. Criar tal exposição implica dar certa forma e ordem a um conjunto de experiências e de relações acessado por meio da rede.

Em Redirección, essa estrutura é a seguinte: nove obras são apresentadas individualmente, apenas disponíveis por um período de tempo limitado, via aarea.co e simultaneamente em 45SNA.com, e em mais um site integrado ao 45SNA.com durante o período da exposição. A obra de Fajardo é a oitava das nove comissões que se alternarão. Cada uma das obras que vi até agora assumiu esse tema de maneiras bastante distintas, mas a maioria lidou de algum modo com a questão do tempo e como essa questão é mediada pela rede. Having Someone’s Birthday Party de Yoshinori Niwa apresenta uma série de vídeos de festas de aniversário provenientes do YouTube que coincidem com qualquer data a que se tenha acesso à obra. Cuerpo Celeste de Aline Motta e Rafael Galante foi uma espécie de relógio e poema interativo baseado no cosmograma de Bakongo, um símbolo da cultura do Congo que tem desempenhado um papel importante na cultura e espiritualidade popular brasileira. Cine continuado de Iván Candeo criou um filme-colagem em múltiplas janelas simultâneas por meio do qual ofereceu uma espécie de visão caleidoscópica da história da Colômbia. (Cabe lembrar que esse último trabalho foi também uma utilização impressionante do API4 do YouTube para criar experiências multilineares.)

A passagem do tempo é tematizada nas obras e na estrutura curatorial da Redirección. É tornado palpável, material e específico. Isso contrasta com a função típica do tempo na internet, onde um mito de acesso 24/7 (24 horas por dia, 7 dias por semana) é sempre cuidadosamente mantido, apenas para ser interrompido de modo chocante pela obsolescência, falência e falha infraestrutural. Crucialmente, contudo, também contrasta com a função do tempo no cubo branco de O’Doherty, onde a arte deveria existir “numa espécie de eternidade de exibição, e embora existam muitos ‘períodos’ (moderno tardio), não há tempo. Essa eternidade dá à galeria um estatuto similar ao limbo; é preciso já ter morrido para se encontrar por lá”. Da mesma forma, seria possível contra-argumentar que a mitologia da internet também visa garantir a si própria uma espécie de estatuto similar ao limbo: intocável às vicissitudes do lugar ou do tempo, uma nuvem imaterial.

A luz mutável que recai na quina comum de uma sala, sendo transmitida ao vivo na obra de Fajardo, pode ser lida, talvez, como uma reflexão sobre a passagem do tempo na exposição online e na internet. Ao contrário de uma exibição eterna, acessível apenas a espíritos idealizados e sem corpos, ela é uma estrutura altamente contingente que permite a cada momento se manifestar de forma única, antes de dar lugar ao próximo.



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