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Como reger de olhos fechados

No momento da concepção da obra, o maestro se vê diante de uma série de decisões importantes a serem tomadas relacionadas ao tempo e ao caráter, aos tipos de ataque e às possibilidades de articulação, ao equilíbrio da orquestra, a instrumentistas que têm entradas. Todo som tem um coeficiente visual único.

Assume-se, para efeito de análise, que todos os gestos do maestro são intencionais e conscientes. Do contrário, cairíamos numa teia contingencial intransponível.

A escolha do tempo está entre as mais importantes que o maestro pode fazer. Variações no tempo podem acarretar mudanças na sonoridade, na articulação utilizada pelos músicos e, inclusive, na escuta. Da perspectiva do regente, a escolha gestual do tempo está relacionada à velocidade com a qual seus braços se movem e com o tamanho do gesto. O caráter é comunicado de uma forma mais complexa: exige tanto um esforço corporal (no sentido teatral) quanto no modo como os braços se movem. Um allegro maestoso pode ser comunicado corporalmente com uma postura ereta, ombros para trás, olhar altivo ou nobre. Os movimentos dos braços podem ser contínuos e sem peso, como que flutuando, elegante. Já um adagio fúnebre pode ser comunicado com postura arqueada, ombros para frente, olhar baixo e grave. Os braços podem se mover de forma pesada e difícil.

No momento do ensaio e também nos concertos, é possível que o maestro dirija a sua atenção (e também sua regência) àqueles instrumentistas que tocam as linhas melódicas que devem estar em primeiro plano. Por isso a grande maioria dos maestros começa a Sinfonia inacabada de Schubert virado para os cellos e contrabaixos.

Uma das principais funções do regente é auxiliar os músicos ou naipes que têm entradas ou partes difíceis de serem tocadas. Desse modo, o maestro pode utilizar gestos de mão esquerda ou, até mesmo, o olhar, dirigindo-se a um músico específico.

Gestos destinados à obtenção de uma sonoridade específica talvez sejam a parte mais subjetiva no que diz respeito às escolhas gestuais.

A sonoridade pode ser moldada pelo maestro tanto na forma como move seus braços quanto na forma como usa sua mão esquerda mostrando posições e formas diversas com ela. A mão direita, como vimos, trabalha com padrões de compasso muito bem definidos que assumem pouquíssima variação, quase nenhuma.

Nem tudo está escrito na partitura. Nem mesmo um compositor detalhista como Mahler consegue escrever tudo. Por isso, grande parte do trabalho do regente enquanto intérprete é conceber o que não está escrito, como o contorno de cada frase, o caráter, se é uma frase conclusiva ou suspensiva, se é uma frase que cresce ou que decresce, onde é seu ponto culminante e mostrar isso usando seu aparato gestual. Para isso, o maestro pode usar sua mão esquerda e desenhar no ar o contorno melódico que deseja ouvir. Caso a frase em execução seja crescente, o maestro pode usar um gesto ascendente com a mão esquerda ou aumentar a intensidade de sua regência. Caso a frase seja conclusiva, o maestro pode usar suas mãos se dirigindo ao centro do corpo, como que fechando a frase.

O maestro sueco Ragnar Bohlin, por ocasião de sua rápida visita ao Brasil a trabalho com a Osesp, exemplificou como induz o grupo de músicos a executar um adensamento de energia e de volume sonoro usando o olhar. Paradoxalmente, o maestro alemão Herbert Von Karajan costumava reger de olhos fechados.1