Orelha para Clássicas do pensamento social, livro organizado por Verônica Toste Daflon e Bila Sorj

A História é um saber inaugurado na modernidade a fim de orientar o progresso da humanidade em direção a um futuro melhor, mais digno e emancipador. É também, ou por isso mesmo, a história de grandes narrativas, a história de vencedores. Essa definição explica, pelo menos em parte, por que mulheres têm estado à margem dessa construção, em que pese os esforços de considerar o gênero como categoria útil para análise histórica, sobretudo a partir do trabalho da pesquisadora Joan Scott.
O livro Clássicas do pensamento social responde, em primeiro lugar, a uma necessidade histórica: recuperar ao cânone das ciências sociais as ideias, a visão crítica e as elaborações teóricas de mulheres que não entraram para a História do pensamento social, cuja bibliografia, como acontece em tantas outras áreas de saber, é formada apenas por homens. As autoras aqui retomadas, Harriet Martineau, Anna Julia Cooper, Pandita Ramabai Sarasvati, Charlotte Perkins Gilman, Olive Schreiner, Alexandra Kollontai, Ercília Nogueira Cobra e Alfonsina Storni, viveram entre o final do século XIX e o início do século XX. São herdeiras dos ideais das mulheres que estiveram na Revolução Francesa lutando por cidadania e que foram precursoras das sufragistas, que conquistaram o direito ao voto. Mesmo atuando na periferia do saber, essas mulheres conseguiram enfrentar os imensos obstáculos de seu tempo, mas ficaram à margem, exigindo uma espécie de arqueologia epistêmica, função que este livro desempenha com maestria.
Apesar das diferenças regionais em que cada autora desenvolveu seu pensamento, há nelas um solo comum de questões que ainda marcam a vida social das mulheres: a diferença entre espaço público e esfera privada, o direito à educação, as obrigações morais e as limitações da sexualidade, as exigências familiares, o casamento e o ingresso no mercado de trabalho, a maternidade e o racismo contra as mulheres negras. Numa palavra, o direito de existir. Para elas, tornar-se mulher era tornar-se cidadã. A questão pode até ter sido legada ao feminismo do século XX, cuja luta é por uma cidadania não condenada à segunda classe, mas persiste no século XXI, o que confere profunda atualidade ao Clássicas do pensamento social e à proposição da argentina Alfosina Storni (1892–1938): “Não há mulher normal de nossos dias que não seja mais ou menos feminista.”