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A liberdade morrerá com o capitalismo?1

Abril, 1941


[O artigo de Orwell foi escrito em resposta à carta de Douglas Ede, de Withersfield, Suffold, para o editor da The Left News. A carta do sr. Ede:]


Prezado senhor,


Sendo o seu artigo de natureza viril, você certamente não se importará em responder a uma única questão sobre sua política, feita por alguém que de forma alguma nutre alguma antipatia por você? Muitos de seus leitores devem também estar tão perplexos quanto eu acerca desse ponto e gostariam de esclarecimento.

Você realmente pretende construir uma “democracia socialista”, como George Orwell afirmou em seu artigo na edição de janeiro? Se sim, por favor, você poderia nos dizer mais claramente como fará isso? Li com atenção redobrada a declaração política do I.L.P. (Independent Labour Party), mas não consegui ver que a via democrática alcançaria os treze pontos estabelecidos.

  1. Seguindo esses pontos, você não chegaria em algo bem pouco diferente do que é um estado comunista? Mesmo aceitando o ponto dez (b), os Comitês de Trabalhadores que de alguma forma existem na Rússia, onde entraria a democracia?
  2. Supondo que você confisque a riqueza privada, e ainda assim encontre um sistema que não seja comunista e nem fascista, que garantia você nos dá de que o sistema resultante não terá males totalitários em vez de vantagens democráticas?
  3. Eu não me importo de entregar minha riqueza pessoal para o Estado, se eu puder ter certeza que o Estado me dará algo em troca. Como os estados totalitários, você quer controlar minha riqueza, diferentemente dos estados totalitários, você me promete democracia em troca.
  4. Nós todos achamos a democracia algo muito mais difícil de definir do que o totalitarismo, e o Sr. Strachey teria nos prestado um grande serviço escrevendo mais sobre a primeira do que sobre o último. Se Sr. Orwell conseguir provar que sua democracia pode existir despida dos males do capitalismo, eu ficaria contente.
  5. Devemos estar preocupados com palavras como socialismo ou nacional-democrático assim como os alemães estavam com o advento de Hitler ao poder? As questões principais não estão ainda entre o totalitarismo e a democracia capitalista? Sob as palavras “socialismo” ou qualquer outro “tipo” de democracia, não é provável que um sistema tão ruim ou pior do que a democracia capitalista possa surgir?
  6. Tenho certeza de que muitos de seus leitores são como eu, e sentem que boas intenções não são o suficiente. Talvez sua política seja uma democracia alternativa à democracia capitalista, e mesmo assim não seja nem comunista e nem fascista; se for assim, você deveria defini-la com mais clareza, dado que você nem de perto a definiu de forma suficiente. Se há de fato um tal sistema alternativo a esses outros dois, claramente é o sistema pelo qual o mundo está esperando. Portanto, não consigo pensar em melhor propaganda para sua causa do que se você explicar esse sistema de forma absolutamente clara. Os males da democracia capitalista nós já sabemos, e até seus hábeis artigos sobre o comunismo e o totalitarismo são também de conhecimento geral. Mas essa nova utopia que você advoga, conte-nos mais sobre ela.

Mesmo que você não consiga publicar uma resposta, talvez inserir minha carta em um número futuro possa gerar comentários e ideias interessantes de seus leitores.

Atenciosamente, Douglas Ede.


[Artigo de Orwell em resposta à carta:]


Essa carta é uma crítica ao socialimo de um ponto de vista que pode ser chamado de liberal. Penso que seu esquema geral pode ser resumido em duas questões:

  1. Há alguma razão para pensar que o socialismo será genuinamente preferível à democracia capitalista?
  2. Pode a democracia, tal como a conhecemos, sobreviver em uma era coletivista, ou ela é um simples reflexo do capitalismo laissez-faire?

Obviamente as duas questões se sobrepõem, mas a primeira delas levanta questões mais amplas e aborda a importante doutrina da “necessidade histórica”. Talvez se tenha uma visão mais clara da segunda questão se lidarmos com a primeira em separado.

Os socialistas não alegam que a mudança para uma economia coletivista tornará a vida humana mais feliz, mais fácil ou mesmo imediatamente mais livre. Pelo contrário, a transição pode tornar a vida quase insuportável por um longo período, talvez por centenas de anos. Há um certo objetivo que nós precisamos alcançar — não podemos deixar de alcançá-lo, no fim das contas — e o caminho para ele passa por alguns lugares terríveis. O que os socialistas de, digamos, quase todas as escolas acreditam é que o destino e, portanto, a verdadeira felicidade do homem, está em uma sociedade de comunismo puro, ou seja, uma sociedade na qual todos os seres humanos são mais ou menos iguais, na qual ninguém tem o poder de oprimir ninguém, na qual as razões econômicas deixaram de operar, na qual os homens são governados pelo amor e pela curiosidade e não pela ganância e pelo medo. Esse é o nosso destino, e não há como escapar dele; mas como e quando nós o alcançaremos depende de nós. O socialismo — propriedade centralizada dos meios de produção, mais democracia política — é o próximo passo necessário na direção do comunismo, assim como o capitalismo foi o próximo passo necessário após o feudalismo. Não é por si só o objetivo final, e penso que devemos evitar supor que como um sistema para se viver será muito preferível ao capitalismo democrático.

Se olharmos para trás, podemos ver que as inovações sem as quais um progresso adicional seria impossível não foram sempre melhorias em si. Se estivermos pensando simplesmente na qualidade de vida, não acredito que a sociedade ocidental, até o momento presente, tenha feito algum avanço real, exceto pela adoção do Cristianismo. A cidade medieval foi quase certamente melhor que a fazenda escravista romana. Mas o próximo passo foi provavelmente em falso. O feudalismo teve que quebrar, o capitalismo teve que substituí-lo, porque sem a concentração de capital as descobertas técnicas que levariam a um avanço adicional não poderiam ter sido feitas. Mas como um estilo de vida, o capitalismo não foi melhor que o feudalismo, ele foi muito pior. A sociedade feudal pode ser injusta, mas é humana; nela o amor e a lealdade podiam existir, mas a igualdade, não. O capitalismo, como tal, não tem espaço para nenhum relacionamento humano; ele não tem lei, exceto a lei de que o lucro sempre precisa ser realizado. Há pouco mais de um século, crianças de apenas 6 anos eram compradas e trabalhavam até a morte em minas e plantações de algodão, mais impiedosamente do que hoje faríamos trabalhar um burro. Isso não foi mais cruel do que a Inquisição espanhola, mas foi mais desumano, no sentido de que os homens que fizeram essas crianças trabalharem até a morte as encaravam como meras unidades de trabalho, coisas, enquanto o Inquisidor espanhol pensaria nelas como almas. De acordo com a ética capitalista, não há absolutamente nada de errado em fazer um homem passar fome depois de ele ter trabalhado para você por quarenta anos; pelo contrário, pode ser um “bom negócio”, uma redução necessária que é parte de seu dever para com os acionistas. É verdade que o capitalismo foi domado e modificado e desenvolveu certas virtudes próprias — voltarei a isso daqui a pouco — mas acho que é preciso admitir que ele é inerentemente mau e que, como resultado disso, a vida humana se deteriorou de várias maneiras. A decadência de nossa língua, a hedionda vulgaridade de nossa língua, a tremenda vulgaridade de nossas roupas, a maldade de nossos modos, o desaparecimento da arte popular, são sintomas dessa deterioração. E não há muita dúvida de que os povos primitivos, intocados pelo capitalismo e pelo industrialismo, são mais felizes que os homens civilizados. Quase qualquer pessoa que viajou confirmará essa impressão; entre os povos primitivos, pelo menos em climas quentes, os rostos que você vê são predominantemente felizes; em nenhuma grande cidade do Ocidente isso acontece.

Mas é impossível ficar permanentemente no mesmo estágio de desenvolvimento. Ninguém — mesmo se possuísse a previdência histórica que isso requereria — é capaz de dizer “agora alcançamos um nível de vida desejável e nos recusamos a avançar mais”. O progresso técnico sempre continua, mesmo que atualmente ele degrade a personalidade huamana. A nova civilização sempre varre a antiga, mesmo que seja apenas porque militarmente ela é mais eficaz. É inevitável que o estado centralizado e planejado supere o capitalismo laissez-faire, porque em uma luta séria o último é tão impotente contra ele quanto os abissínios o eram contra as metralhadoras italianas. Vimos isso ser inquestionavelmente demonstrado durante os últimos dois anos. Pois contra a economia planejada da Alemanha Nazista, a Inglaterra e a França foram simplesmente incapazes de se armar. A concentração em um único objetivo, a superação dos interesses privados, a diminuição do nível de vida que são necessários quando uma nação moderna entra seriamente em guerra, não eram possíveis sem uma reconstrução social e econômica que seus governantes não queriam encarar. Como resultado, a França caiu como um castelo de cartas e a Grã-Bretanha só escapou por conta das vantagens geográficas, da posse de uma marinha semiautônoma, que foi capaz de manter um nível de força razoável, e do caráter nacional impassível. Desde então, cada movimento na direção da eficiência militar tem sido um passo que se afasta do capitalismo à moda antiga. Se levarmos em conta tanto o lado moral quanto físico da guerra, parece provável que a Grã-Bretanha só possa vencer tornando-se, de forma mais definitiva e inconfundível que a Aleamanha Nazista, um estado socialista. De qualquer forma, é certo que, a menos que a guerra acabe de forma imprevisível nos próximos meses, a Grã-Bretanha não emergirá no mesmo formato que tinha sob Chamberlain. Ela pode emergir socialista, ou conquistada pelos nazistas, ou com alguma variante local do fascismo — mas não sairá capitalista no antigo sentido dessa palavra. As forças que pressionam pela centralização do poder e pela planificação da produção e do consumo são enormes. É nessa direção que vai o mundo, a guerra apenas esclarece o problema, e aqueles que tentam frear o processo comumente acabam por acelerá-lo. Homens como Mussolini e Franco, que se lançam com a intenção declarada e sem dúvida honesta de restaurar o passado, de salvaguardar a propriedade privada e de esmagar o “marxismo”, acabam destruindo os próprios direitos que eles desejam defender. Os capitalistas os trazem para escravizar a classe trabalhadora e se encontram escravizados pelo processo. O movimento para o coletivismo ainda está em ação, mas assumindo formas diversas, algumas promissoras, outras, horríveis.

Mas, alguém pode dizer: se o coletivismo triunfa e se o comunismo puro acabará vencendo de qualquer maneira, por que nos preocuparmos? Por que lutar contra Hitler, ou contra nosso equivalente local de Hitler, se em cem anos dará tudo no mesmo? E isso implica lidar com a segunda das duas questões pelas quais tentei resumir a carta do Sr. Ede.

Infelizmente, não podemos ter certeza de que isso de fato acontecerá em cem anos, ou em mil anos, ou talvez mesmo dentro de dez mil anos, e é por isso que é preciso continuar a luta. Expliquei que vemos por toda parte as sociedades competitivas nas quais o indivíduo tem direitos absolutos sobre o que possui substituídas por sociedades planejadas nas quais o poder é centralizado. Até recentemente, supunha-se evidente que essa nova forma de sociedade, uma vez implantada, seria “socialista”. O socialismo era definido como “a propriedade comum dos meios de produção”, e poucas pessoas se incomodavam com o sentido exato da palavra “comum”. Pensava-se que o único tipo de injustiça que importava era a injustiça econômica, e que a injustiça econômica desapareceria junto com a propriedade privada. O nazismo, que não aboliu a propriedade privada nem respeitou os direitos individuais, não tinha lugar nesse esquema, e, até muito recentemente, a teoria oficial da esquerda era que o nazismo não era nada mais que “o capitalismo”. Não se quis enxergar nem sua tendência centralizadora, nem a evidente sujeição dos capitalistas aos dirigentes do partido, e o sistema nazista, pensava-se, era apenas uma ditadura mais ou menos velada de alguns homens de negócios. Hitler era visto como mero “instrumento” dos dirigentes da indústria pesada alemã, o “peão” de Thyssen (recentemente entendemos qual dos dois é o peão), enquanto a parte ideológica do movimento era rejeitada como sem importância. Uma vez que o nazismo não correspondia à ideia que a Europa tinha do socialismo, ele só poderia ser capitalista. Esse raciocínio dos teóricos oficiais da esquerda nunca lhes permitiu explicar por que Hitler conseguiu tomar o poder, por que milhões de homens aceitaram morrer por ele, nem como ele conquistou suas vitórias; eles foram obrigados a subestimar enormemente a força do nazismo. Caso contrário, eles teriam que admitir que o nazismo realmente conseguiu evitar as contradições do capitalismo, e que se tratava então de uma forma de socialismo, uma forma não democrática. E isso significaria admitir que “a propriedade comum dos meios de produção” não é um objetivo suficiente e que não se traz nenhuma melhora à sociedade apenas se contentando em transformar sua estrutura. Diante da democracia capitalista, o nazismo só pode levar a melhor, porque ele é mais moderno e, portanto, militarmente mais eficaz; mas como modo de vida, ele é infinitamente pior. É um passo adiante, mas um passo para o mal.

Podemos definir o nazismo como um coletivismo oligárquico. Ele pode evitar todo o caos e todos os atritos do capitalismo, as crises e as depressões, o desemprego e a estagnação, e ele pode sem dúvida continuar a existir por muito tempo; contudo, ainda menos que o capitalismo, ele é incapaz de trazer felicidade ou igualdade aos homens. Ele tende a estabelecer um sistema de castas baseado na “superioridade racial”, sem dúvida com uma casta adotiva, em vez de hereditária, no topo. É uma nova forma de tirania, na qual o que conta é o poder, e não o dinheiro. Parece mais ou menos certo que o que se passa na Rússia Soviética não é muito diferente; nos últimos seis anos, as semelhanças entre os dois regimes tornaram-se cada vez maiores e mais evidentes. Um novo tipo humano, o homem do dinheiro, apareceu no final da época feudal e, da mesma maneira, um outro tipo humano apareceu no final da época capitalista, o homem do poder, o gauleiter alemão ou o comissário bolchevique. Esses homens podem muito bem ser individualmente corruptos, mas, como tipo, eles não são mercenários e nem hedonistas. Eles não procuram conforto ou luxo, querem somente o prazer de tiranizar outras pessoas. E como o poder não foi desacreditado como foi o dinheiro, eles podem continuar a agir com uma autossatisfação e uma ignorância de seus próprios motivos que seriam impossíveis para aqueles que só querem juntar dinheiro. Mas, do ponto de vista dos oprimidos, a dominação do poder é pior que a dominação do dinheiro, pois o dinheiro se deixa dividir mais facilmente.

Mas não há de fato nenhuma alternativa à ditadura e à plutocracia? A resposta é que a revolução mundial está apenas começando. O que se pode chamar de revolução só aconteceu em dois grandes países, nos quais o despotismo militarista era a forma normal da sociedade. Assumindo que a transição para a economia centralizada deve acontecer, está acontecendo em todo lugar, é seguro pressupor que ela tomará formas distintas nos diferentes países. Não há razão para pensar que o Ocidente imitará o Leste. Quando as pessoas falam do Ocidente, ou da civilização ocidental, elas querem dizer um círculo de estados que compreende o Atlântico Norte, Escandinávia, Países Baixos, França, Inglaterra e a América do Norte. Esses estados têm em comum o suficiente para serem pensados como uma única cultura. Todos eles foram infectados pelas ideias da Revolução Francesa, todos eles desenvolveram democracias parlamentares que foram ineficientes, mas que atuaram como controle dos aventureiros políticos, e todos eles tiveram um nível de vida alto o suficiente para permitir que movimentos de trabalhadores independentes se desenvolvessem.

Os dois maiores deles foram salvos da invasão estrangeira e do domínio dos exércitos por sua posição marítima. O mais importante de tudo é que a crença no valor da democracia burguesa é generalizada em todos esses países, e mais entre as pessoas comuns que entre seus governantes. A liberdade pode ser uma ilusão, mas você não poderia, na Inglaterra, induzir um grande número de jovens a marchar para cima e para baixo proclamando “nós cuspimos na liberdade”, e esse fato é sintomaticamente importante. Os inimigos da civilização ocidental gostam de assinalar que a paz comparativa e a vida decente nas democracias são simples reflexos de uma renda nacional alta, que nos últimos cem anos foi amplamente baseada em trabalho de cor. Isso é verdade, mas é como dizer “esse campo só é mais fértil que este porque foi adubado no ano passado”. Nossos escrúpulos não são menos reais porque nós os compramos com o sangue de coolies indianos. Um ódio à violência civil e o respeito à liberdade de expressão são fatores definitivos na vida ocidental, e provavelmente não desaparecerão da noite para o dia, mesmo se nosso padrão de vida cair para aquele do leste europeu. As crenças dos homens não são tão grosseiramente dependentes de circunstâncias materiais a ponto de se alterarem de um dia para outro, ou mesmo de um ano para outro. Um professor de ciência que naufragou em uma ilha deserta pode ser reduzido à condição de selvagem, mas ele não se torna um selvagem. Ele não começa a acreditar que o sol orbita a terra, por exemplo. Quando nossa revolução estiver concluída, nossa estrutura social e econômica será totalmente diferente, mas reteremos muitos hábitos de pensamento e de comportamento que aprendemos em um período anterior. As nações não varrem facilmente seu passado. Não há como salvar a democracia capitalista, ela está desaparecendo, mas isso não quer dizer que numa segunda de manhã vamos acordar com um mundo de slogans e cassetetes de borracha. Acho que a resposta para a pergunta de Ede deve ser que, se nós pudermos realizar nossa revolução, ela será, comparativamente, uma revolução sem sangue, e que muitas características da democracia capitalista, cujo desaparecimento ele, com razão, teme, serão capazes de sobreviver.

Tudo depende do “se”. Temos que manter nosso destino em nossas mãos, o que implica travar a “guerra em duas frentes”. Disse anteriomente que sairemos dessa guerra socialistas, “nazificados” pela conquista, ou vitoriosos mas com um tipo de fascismo peculiar a nós. E é duvidoso que a terceira alternativa exista na prática. Algo impactante sobre essa guerra tem sido o fracasso da classe dominante britânica em desenvolver uma aparência genuinamente fascista. Apesar de certa vontade em fazê-lo, eles parecem não ter a inteligência, o entendimento político ou a simples maldade para aprender os métodos totalitários. É claro que a Inglaterra é ainda um país regido pela dominação de classe, e o ofensivo contraste de riqueza e pobreza existe por toda parte, em meio às bombas; mas isso é plutocracia, uma coisa muito diferente do fascismo. E evidentemente há uma restrição dos direitos trabalhistas, censura da imprensa, perseguição política mesquinha, uma diminuição generalizada da liberdade. Mas guerra é isso. É preciso comparar o comportamento do governo britânico não com um ideal impossível, mas com o de qualquer governo, por exemplo, que desde o começo da guerra civil ultrajou cada princípio da democracia de forma muito mais grosseira do que o nosso próprio governo fez, ou, devo dizer, do que qualquer governo conservador britânico ousaria fazer. A perseguição tosca e ineficaz da Convenção Popular não é o ato de fascistas; é o ato de plutocratas estúpidos que prefeririam introduzir métodos totalitários, mas não sabem como. Claro que temos que estar atentos a essas pessoas, e estirpá-los quando surgir a oportunidade, mas menos porque eles estão inclinados a consolidar seu próprio poder e mais porque, se ficarem no controle, eles perderão a guerra por nós.

Quando a oportunidade de mudança de poder surgirá, eu não sei. No momento, ela não existe; acredito que ela existiu depois de Dunkirk. E nesse momento particular, não vejo o que se pode fazer, politicamente, exceto espalhar o mais amplamente possível as três ideias a seguir:

  1. O progresso humano pode ficar bloqueado por séculos, a menos que possamos eliminar Hitler, o que significa que a Inglaterra precisa vencer a guerra.
  2. A guerra não pode ser vencida a menos que sejam dados os primeiros passos em direção ao socialismo.
  3. Nenhuma revolução na Inglaterra tem qualquer chance de sucesso a menos que leve em conta o passado inglês.

Mas como será nossa “nova utopia”, como o Sr. Ede a chama, em seu primeiro estágio nós não podemos dizer. Não sabemos como ela será alcançada, se facilmente e pelo ato voluntário da maioria, ou lenta e dolorosamente, por meio de ditadura e guerra civil. Apenas mencionei razões para pensar que a revolução na Inglaterra poderia ser menos sangrenta e decepcionante do que em outros lugares. Não é certeza que a primeira fase do socialismo seja “melhor”, de um ponto de vista hedonista, do que o capitalismo democrático. Mas não podemos levar isso em conta, porque nós só podemos considerar as possibilidades que existem. A única coisa certa sobre essa guerra é que não terminaremos onde começamos. Dizer que porque a democracia capitalista tem suas vantagens ela deveria ser mantida in toto é como se uma criança dissesse que porque ficar deitado em um berço é algo muito agradável seria melhor continuar sendo criança a vida inteira. Isso não pode acontecer, e desejar o impossível, mesmo o bom impossível, é inerentemente reacionário.