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Prefácio da edição comemorativa dos 30 anos de O contrato sexual1

Marco Noreña

É difícil acreditar que trinta anos se passaram desde a publicação de O contrato sexual, mas estou feliz que a editora Polity esteja republicando-o para marcar a ocasião. Sou grata também por mais pessoas de diferentes culturas ao redor do mundo terem lido meu livro do que eu jamais poderia imaginar em 1988, embora o meu argumento se refira especificamente a sociedades anglo-americanas. O termo “o contrato sexual” parece ter adquirido/assumido uma vida própria.

Trinta anos é muito tempo, e ocorreram mudanças sociais, econômicas e políticas consideráveis desde que o meu livro foi publicado. Além disso, houve rápidos avanços tecnológicos, notadamente o desenvolvimento da internet, ao qual meu livro antecede, criando tanto novas oportunidades quanto problemas para as mulheres. Portanto, não surpreende que sempre me perguntem se os meus argumentos em O contrato sexual ainda são relevantes — embora a editora Polity evidentemente ache que sim. Hoje, o que os críticos levam em conta é apenas um aspecto do meu argumento. Eles se concentram, em particular, sobre uma instituição fundamental para a vida social, o contrato de casamento e o casamento; a outra instituição básica que eu discuto, o trabalho e o contrato de trabalho, recebe muito menos atenção. E a parte do meu livro dedicada à análise e interpretação da obra de teóricos clássicos do contrato original, alvo de críticas após a publicação, agora é raramente examinada. A minha interpretação dos textos clássicos constitui a base para a minha discussão do período (aproximadamente) entre 1840 e 1980, quando o casamento em uma forma tradicional existia e havia emprego para os pais de família.

Acho que fui a primeira a ler os téoricos de um contrato original de uma perspectiva feminista e a argumentar que a teoria do contrato social era equivocadamente nomeada e que o contrato original tinha duas dimensões — o contrato social e o contrato sexual. Narrativas sobre contratos originais não tratam apenas da legimitimação do governo de cidadãos pelo estado moderno, mas também da justificação do governo de mulheres por homens em um estado. Em quase todos os relatos do estado de natureza (tomado como anterior ao contrato original) a família existe e as esposas são consideradas como naturalmente sujeitas a seus maridos. A notável exceção é Hobbes, em cujo retrato do estado de natureza as mulheres são tão livres e iguais quanto os homens. Ainda assim, após o contrato original, elas supostamente subordinam-se aos seus maridos.

Atualmente, entretanto, as mulheres alcançaram direitos civis e legais dos quais não gozavam nos anos 1980 e são cidadãs formalmente iguais; a lei de casamento foi reformada e até mesmo extendida a casais de mesmo sexo em algumas jurisdições, de modo que a questão da relevância contemporânea do livro inevitavelmente se apresenta. A despeito da transformação no contexto, nem todos os problemas em torno do casamento e do contrato de casamento desapareceram, incluindo aqueles que eu discuto no livro. Mais notadamente, a violência doméstica continua endêmica. Trata-se de um problema complexo, mas uma razão para sua persistência é que as ideias sobre o que é ser masculino ou feminino são arraigadas e demoram a mudar, especialmente na cultura altamente sexualizada na qual vivemos no presente.

A economia passou por transformações nos últimos trinta anos e, com isso, o contrato de trabalho também se transformou. O contrato sexual foi publicado antes que todo o impacto da globalização, da privatização e da centralidade do capital financeiro fosse sentido; resta ver ainda quais serão as consequências da emergente “gig economy”.2 O que está claro é que o homem que sustenta a família é uma figura em desaparecimento. Os novos empregos tendem a ser contingentes, mal remunerados e com poucos ou nenhum benefício, e para pagar as contas ambos os cônjuges precisam estar no mercado de trabalho. Desse modo, seja por necessidade ou escolha, a maioria das esposas está empregada, embora frequentemente em meio-período. Mas um aspecto do contrato de trabalho não mudou: em geral, as mulheres ganham menos do que os homens. Elas continuam a fazer mais tarefas domésticas e de cuidado com os filhos do que os seus maridos. Um desequilíbrio de poder econômico no lar ainda permanece. O mesmo acontece com o assédio sexual a mulheres por homens no local de trabalho. Na verdade, enquanto escrevo, o assédio sexual no atípico espaço de trabalho de Hollywood3 está nas manchetes por causa do envolvimento de pessoas famosas, mas pouca visibilidade é dada aos exemplos cotidianos na família e nos locais de trabalho mais comuns.

Para a minha surpresa, algumas críticas feministas sublinharam justo a minha discussão sobre a prostituição. A indústria global do sexo se expandiu enormemente desde 1988, abastecida, por exemplo, pela internet, pelo colpaso da União Soviética, pela proliferação de guerras e limpeza étnica que conduziram mulheres e crianças a campos de desabrigados e de refugiados, e pelas políticas econômicas neoliberais que aumentaram a pobreza. Eu não estou segura do quanto todas essas críticas feministas levam isso em conta quando elas enxergam na prostituição um empoderamento para as mulheres ou algo transgressivo. Fui acusada de desprezar as prostitutas, mas nenhum dos meus argumentos em O contrato sexual é sobre indivíduos; antes, eles são sobre instituições (casamento, emprego, prostituição) que estão abertos a reformas e a mudanças maiores.

Não obstante os problemas das mulheres em países anglo-americanos, somos privilegiadas em comparação às mulheres em alguns outros países ao redor do mundo onde elas estão, por exemplo, ainda lutando por acesso à nutrição e a saneamento adequados, contra o casamento infantil, por educação apropriada, pelo direito à herança e por outros requisitos para uma existência digna e decente. Em 2018, ainda há um longo caminho antes que o contrato sexual se torne irrelevante, mas eu espero que se alcance muito mais progresso nessa empreitada antes que se passem mais trinta anos.