1

Filósofo de olho no presente,
Ruy Fausto mostrou real desejo
pelo debate público1

A escrita sempre teve algo de rebelião contra a morte e o esquecimento.

Quando morre um filósofo, a mais devida homenagem que podemos prestar-lhe é lembrar a força de sua escrita, sua capacidade de não se deixar ser tragada pelo esquecimento. Destino esse tão comum se lembrarmos a maneira com que nosso país costuma tratar seus pensadores.

Ruy Fausto foi um dos mais emblemáticos intelectuais de nosso país, seja pela influência, seja pela originalidade de seu trabalho. Professor emérito da Universidade de São Paulo e professor da Universidade de Paris 8, Fausto tem uma obra marcada por essa dupla geografia. O que não poderia ser diferente.

Pois, em seu caso, não se tratava apenas de fornecer uma leitura rigorosa e singular da teoria marxista, andando na contramão daqueles que preferiam insistir em “cortes epistemológicos” que deformavam o sistema de influências entre dialética marxista e dialética hegeliana. Tratava-se de fazer desta dialética renovada e repensada a partir da lógica o fundamento da reflexão sobre o pensamento contemporâneo.

O filósofo Ruy Fausto durante entrevista à Folha, em 2017 — Giovanni Bello — 26.jun.17/Folhapress

Neste sentido, seus textos sobre a pressuposição do Estado na antropologia de Pierre Clastres, sobre os limites do estruturalismo ou sobre as interversões entre humanismo e anti-humanismo no pensamento althusseriano são exemplos maiores de uma crítica original que mobilizava a dialética visando a intervenção nos debates do presente. Ainda hoje, tais textos estão entre os momentos mais significativos do pensamento brasileiro.

A tais trabalhos, soma-se a consciência de um intelectual público que, em momento algum, furtou-se a participar do debate político e de ideias do país durante décadas.

Por mais que suas posições fossem polêmicas, elas apontavam para problemas reais a respeito do destino da esquerda no Brasil e no mundo. Mesmo diante de debates muitas vezes duros, Ruy Fausto era um dos poucos capazes de realmente ouvir seus contendores e mostrar um verdadeiro desejo de debate público.

Agora que a morte o levou, que fique de Ruy Fausto sua insubmissão. Essa insubmissão que lhe fez, mesmo com 85 anos, guardar o entusiasmo jovial de um adolescente. Vale para ele o que um dia Adorno falou de Alban Berg: “Ele conseguiu não se tornar adulto, sem que tivesse permanecido infantil”. Que sejamos todos assim.

Neste sentido, seus textos sobre a pressuposição do Estado na antropologia de Pierre Clastres, sobre os limites do estruturalismo ou sobre as interversões entre humanismo e anti-humanismo no pensamento althusseriano são exemplos maiores de uma crítica original que mobilizava a dialética visando a intervenção nos debates do presente. Ainda hoje, tais textos estão entre os momentos mais significativos do pensamento brasileiro.