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Resposta a Olúfémi O. Táíwò e Liam Kofi Bright1

Desenho sobre manual de geografia econômica III, Helô Sanvoy.

Sou grato a Olúfémi O. Táíwò e Liam Kofi Bright por sua lição de história e de teoria, mas onde está o argumento político? Temo que a teoria do “capitalismo racial” empurre a esquerda contemporânea para os mesmos erros cometidos pelos socialistas tempos atrás: pensar que se pode lutar apenas num front, quando, na verdade, precisamos lutar em vários fronts. Por isso, eu esperava uma resposta que, para além de definir o que é o “capitalismo racial”, explicasse como essa ideia pode orientar, de forma útil e criativa, nossa prática política. Em vez disso, mandaram-me um pequeno ensaio acadêmico, sem nenhum conteúdo político. Táíwò e Bright certamente acreditam na unicidade: se os teóricos que eles admiram estiverem certos, afirmam, “o capitalismo racial é o único tipo que já existiu”. Eu posso, contudo, pensar em outras formas.

Nosso desacordo não é sobre o racismo, que é difuso na sociedade americana e que deve ser combatido na política, na cultura, na religião e, claro, também na economia. A questão é: será que a teoria do capitalismo racial se sustenta e nos ajuda na luta? Por exemplo, vejam essa frase na réplica de Táíwò e Bright: “As formas da conquista, da despossessão e da exploração do trabalho que vingaram contra os povos originários americanos e os africanos… já haviam sido exercidas em menor escala contra os eslavos e os irlandeses”. Ora, para tornar a teoria plausível, seria necessário racializar os eslavos e os irlandeses. Para ser preciso e justo, haveria que incluir também os poloneses e os italianos entre as raças oprimidas da Europa (e dos Estados Unidos). Cedric Robinson generosamente acrescenta ciganos e judeus à lista.

Surpreendentemente, ocorre que todo trabalhador explorado é membro de uma raça oprimida. Nessa ótica, então, de fato, o capitalismo racial é a única forma existente desde sempre; açambarca tudo — mas acaba não explicando nada em particular. Infelizmente, ao salvar a teoria, acaba-se por anular o que julgo ter sido a intenção original dos seus formuladores: chamar a atenção para o papel histórico desempenhado pela escravidão e opressão dos negros no desenvolvimento capitalista. Agora, porém, a mensagem é distinta: tal como o dinheiro é o proxeneta universal, aos olhos de Timon, personagem de Shakespeare, da mesma maneira o capitalismo é o explorador universal. Qualquer trabalhador serve.

Uma ilustração: em 1924, a imigração para os Estados Unidos, procedente da Europa do Leste e do Sul, foi restringida dramaticamente. Gompers2 e a AFL3 apoiaram tais medidas, pois temiam a mão de obra barata. Naquela época, muitos líderes do capitalismo americano se insurgiram contra tais restrições, porque queriam mão de obra barata. Só que essa barreira à imigração acabou por intensificar a migração dos negros do Sul dos Estados Unidos para cidades como Detroit e Chicago, fenômeno que havia começado durante a 1.ª Guerra Mundial. Os proprietários capitalistas e seus gerentes teriam preferido trabalhadores brancos — porque eram racistas. Mas aí descobriram que a exploração dos trabalhadores negros era igualmente eficiente. Qualquer trabalhador serve.

(Impossível não comentar o truque estatístico de Táíwò e Bright sobre os escravos negros e os irlandeses. Eles nos fornecem o número de escravos trazidos para os Estados Unidos durante dois séculos, e, em paralelo, indicam o mesmo para a população da Irlanda, mas num período inespecífico ao longo do século 1600. Para uma comparação acurada, teria sido preciso saber qual o número de escravos necessários às plantações de algodão em um dado ano, de preferência entre o final de 1700 e o início de1800. Em seguida, já que economistas concordam que o trabalho livre é mais eficiente que o trabalho escravo, teria sido indicado estimar quantos trabalhadores remunerados a menos poderiam realizar a mesma tarefa. E, sabendo-se que as colheitadeiras só surgiram depois de 1930, é provável que inovações incrementais de pequeno porte introduzidas pelos trabalhadores livres tenham reduzido ainda mais a demanda por mão de obra. A escravidão inibe a inovação. Por fim, também se poderia buscar o número de trabalhadores disponíveis na Irlanda, ou de qualquer outro tipo de raça oprimida, num determinado ano. Embora não definitivo, seria um experimento hipotético, desde que sejamos rigorosos no uso das estatísticas relevantes).

Mas eu fico mais à vontade falando de política do que de história e de teoria. Então aqui vão alguns exemplos de lutas políticas importantes cuja vitória beneficiou os negros americanos (e também outros americanos), lutas essas para as quais o “capitalismo racial” não contribuiu em nada:

  • a luta por um sistema de saúde decente para todos os americanos é imprescindível, muito embora seu êxito venha para estabilizar a ordem capitalista, tal como ocorreu com as reformas do New Deal em 1930;
  • a luta pela igualdade de gênero é imprescindível, muito embora a gestão do capitalismo seja aperfeiçoada com a presença de mais mulheres nas posições no topo e ao longo de toda as funções hierárquicas;
  • a luta contra os símbolos e toda presença do racismo é imprescindível, muito embora o capitalismo não seja abalado a cada nova estátua derrubada;
  • a luta para reformar, desfinanciar, desmilitarizar ou abolir a polícia é imprescindível, muito embora os capitalistas americanos possam se dar bem com isso, graças às suas firmas de segurança privada, que vão poder se expandir e contratar os policiais desempregados;
  • a luta para acabar com a discriminação na moradia e garantir subsídios e empréstimos habitacionais com taxas de juros baixas às famílias pobres é imprescindível, muito embora seu sucesso vá aumentar o lucro da indústria da moradia privada permitindo evitar crises capitalistas como a de 2008.

E, ao mesmo tempo, lutar contra o sistema capitalista segue sendo imprescindível: lutar contra suas hierarquias arraigadas; contra as desigualdades que ele reforça; e contra a corrupção dos governos que ele promove. As batalhas são muitas, e não uma apenas, nem tampouco uma de cada vez; não estão necessariamente interligadas, e, por razões táticas e estratégias, é importante reconhecer o que as diferencia.