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Mulheres negras e a necessidade da renovação dos quadros políticos em 2020

Isola, Christiana Moraes.

A cidade não é criada para todos, e isso é percebido nos grandes centros do mundo capitalista; isso fica ainda mais claro em se tratando de cidades pós-coloniais, como é o caso das cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, é perceptível a manutenção da desigualdade social a partir da perpetuação do modelo de gestão do município, que pratica a expressão máxima da soberania, conceito de Mbembe (2020) que pressupõe que esta reside no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem pode morrer. O racismo tem sido utilizado como estrutura de poder no Brasil e isso permeia cada parte de sua história. Segundo Almeida (2019), a ocupação colonial pode ser entendida como uma forma de dominação política, exercer o controle por meio desta relação de poder exprime a força com que o Estado vem, desde sua conformação original, se organizando para que a cidade funcione bem para uns em detrimento dos direitos de outros.

Nosso Poder Legislativo, fundado em 1566, era formado apenas por um procurador e um juiz ordinário, e exatamente dois anos e nove meses após Estácio de Sá ter fundado a cidade, houve a primeira eleição para a Câmara. Votavam somente homens adultos, brancos, livres, com residência fixa e sem passado criminoso. A lei escrita por essa população era para ela mesma, afinal, o que mais eram os negros senão propriedades? A verdade é que a Câmara mudou sua estrutura de funcionamento ao longo de seus quase quinhentos anos, mas sua ocupação se mantém de maioria expressiva masculina e branca, pois, em suma, manter a colonialidade é a intenção de um modelo econômico ultraliberalista. Romper com a estrutura jurídico-estatal alimentada pelo mundo contemporâneo, emerge como uma necessidade atual das grandes cidades brasileiras.

A cobrança atual dos movimentos sociais tem movimentado e gerado uma nova formatação de candidatos a representantes políticos de determinados setores da sociedade. Falar sobre a necessidade de renovação dos quadros políticos e de como as mulheres negras estão ocupando esse espaço, requer de nós um exercício de: primeiramente, observar os dados que nos são apresentados, seguido de um olhar mais atento aos recortes de raça e de gênero, para então trazermos qualquer contribuição sobre o que foi o pleito deste 2020.

Veículos de comunicação e suas diferentes frentes, juntamente com a produção científica produzida por diversas instituições no Brasil, evidenciam como as desigualdades sociais, historicamente constituídas, afastam a classe trabalhadora desse processo, sobretudo as mulheres. Além disso, quando analisamos quem é essa classe excluída, identificamos que ela tem cor e endereço. Assim, é necessário refletir sobre como o processo histórico de desigualdades sociais, estruturadas em uma sociedade racista, afastam esses atores, mas, principalmente, essas atrizes do processo eleitoral.

A comunidade negra é a mesma que responde por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, e por 80% dos analfabetos do país. Os salários médios dos negros no Brasil chegam a ser 2,4 vezes menores do que os recebidos por cidadãos brancos e de origem asiática. Estudos mostram que 64% dos afrodescendentes não completaram a educação básica.

Segundo a Pnad, em 2019, a taxa de analfabetismo no Brasil entre brancos era de 3,6%, enquanto pretos e pardos representavam 8,9%; ou seja, quase três vezes mais que o grupo anterior. Além disso, o estudo revela que quando falamos de nível de instrução, 57% das pessoas de cor branca completaram o ciclo básico educacional. Entre pretos e pardos, foi de 41,8%, evidenciado uma diferença de 15,2 pontos percentuais entre os dois grupos, mostrando que até hoje as oportunidades educacionais ainda são bem desiguais.

Finalmente, quando falamos de ensino superior, testificamos o quanto a desigualdade aumenta. Entre os jovens de 18 a 24 anos, faixa em que idealmente estariam cursando o ensino superior, caso completassem a educação básica, o estudo mostrou que somente 16,1% dos jovens de cor preta ou parda estavam cursando uma graduação, enquanto brancos representavam 28,8%.

Neste sentido, ao nos debruçarmos sobre esses dados e identificarmos que o número de negros e negras dentro desses espaços é quase duas vezes inferior ao de brancos, compreendemos porque até então essa mesma camada está à margem de toda a produção técnico-científica, seja ela ligada à saúde, à educação e ao trabalho, logo, não seria diferente dentro dos espaços de poder institucionalizados.

Quando então fazemos o recorte de gênero, os dados são alarmantes. Segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, mulheres representam apenas 12% dos prefeitos eleitos no primeiro turno das Eleições 2020. Já o número de vereadoras eleitas, apesar do crescimento, representa ainda ínfimos 16%, contra mais de 84% de vereadores eleitos. Especificamente, no caso do Rio de Janeiro, somente dez mulheres foram eleitas.

As informações que foram aqui apresentadas têm como objetivo mostrar ao leitor a situação de negros, mas principalmente de mulheres e de negras para que seja possível, a partir daqui, realizar algumas reflexões acerca da importância de termos mulheres negras ocupando o espaço da câmara de vereadores.

Neste sentido, cabe destacar que eu acredito e projeto uma cidade de igual acesso para mulheres e homens, compreendendo suas diferenças. A necessidade de renovação de quadros, destacando aqui as mulheres negras, reside em três grandes funções:

  1. oportunizar que se paute políticas públicas com protagonismo específico, entendendo-se a agenda deficitária a se cumprir no recorte gênero e raça;
  2. o papel pedagógico de incluir mulheres negras em espaços institucionais, replicando políticas afirmativas e positivas para gerações de negros e negras;
  3. e, por último, ampliar o espectro de inserção de negros nas tomadas de decisões públicas e orçamentárias.

O aumento de mulheres negras nas câmaras nos leva à criação de leis que tenham como foco equiparar desigualdades, para que toda mulher conheça e tenha acesso aos seus direitos.

Enquanto mulher negra acredito na construção de um Brasil de fato democrático que, apesar de negar sua origem afro-pindorâmica, há de se reivindicar uma democracia racial. É urgente a construção de políticas a partir da nossa existência. Ressalto inclusive que, enquanto mulher bissexual e militante do movimento LGBTQIA+, precisamos pensar nas diferentes mulheres, para a promoção de cidades sem homo, trans, lesbo e bifobia.

É necessário, portanto, um outro modelo de desenvolvimento e de projeto de sociedade e de cidade. Decolonizar projetos e cidades para avanços fundamentais nas cidades afro-indígena-americanas.