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Ruy Fausto via longe1

O Primeiro de Maio levou o filósofo Ruy Fausto. Professor emérito da USP, ele era um exemplo de intelectual público. Participava ativamente do debate brasileiro, sem fazer concessões para agradar torcidas.

Homem de esquerda, Fausto teceu duras críticas ao PT na eleição de 2018. Ao mesmo tempo, advertiu que a vitória de Jair Bolsonaro daria início a um “período de trevas” no país.

Para ele, o triunfo do bolsonarismo não representaria uma alternância normal de poder. “É um fenômeno que se aparenta aos populismos de extrema direita que vicejam pelo mundo. São movimentos neoliberais e antidemocráticos”, definiu, em entrevista à Época antes do segundo turno.

Entre a eleição e a posse, Fausto antecipou que Bolsonaro atacaria as universidades, a imprensa e o Judiciário. “Não se deve dar ouvidos aos ‘cientistas políticos’ que nos garantem que as instituições brasileiras são ‘sólidas’. Hoje, menos do que destruir as instituições, os inimigos da democracia as ocupam e as cristalizam em seu proveito”, afirmou, na Folha de S.Paulo.

Em janeiro de 2019, ele já apontava contradições evidentes no novo governo. “Nunca se mentiu e se enganou tanto como hoje se mente e se engana no Brasil. Diz-se que o presidente eleito não tem ideologia, mas ele vem encharcado de ideologia; propõe uma escola sem partido, só que nela deverá se pensar conforme o que manda um partido; alimenta-se o culto da vontade popular, que, entretanto, prepara a asfixia da ‘minoria’ e, com isso, o estrangulamento da democracia”, escreveu, na revista Piauí.

Em julho passado, o filósofo sentenciou que nosso “pobre país” estava entregue ao “mais obscurantista e autoritário de todos os governos eleitos da República”. “Se, por desgraça, os salvadores da pátria conseguirem realizar plenamente os seus objetivos, o que não é impossível, o Brasil se transformará numa grande Hungria, com imprensa controlada, universidade asfixiada, Judiciário dócil, obscurantismo à solta”, afirmou, na Folha de S. Paulo.

“Trata-se de um governo autocrático, para dizer o menos”, prosseguiu o professor. “Só não se destruirá a democracia no Brasil se a resistência for suficientemente vigorosa. De resto, não há que discutir se o golpe bolsonarista virá ou não. Ele já está em curso”, avisou.

No ensaio, Fausto criticou o então ministro Sergio Moro por silenciar sobre os laços do clã presidencial com as milícias, depois de ter cometido “irregularidades e ilegalidades” em processos da Lava-Jato. No entanto, ele ressaltou que isso não absolvia o PT das acusações de corrupção. “A ideia de que o melhor para a esquerda seria dizer amém à narrativa do PT é enganosa”.

O teórico marxistas andava preocupado com o avanço do coronavírus. No mês passado, ele disse à Rádio Metrópole que Bolsonaro escolheu uma política “suicida, irresponsável e criminosa” para lidar com a pandemia. “É uma jogada de violência que pode ocasionar na morte de muita gente”, previu.

O professor via longe. Na entrevista, concedida em 9 de abril, ele disse que os despautérios do presidente provocariam novas deserções no governo. “O barco está afundando, os ratos estão pulando fora”, ironizou. Quinze dias depois, Moro pediu demissão.